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Sidney Jorge • out. 26, 2022

     O desafio de escrever sobre a fé está na compreensão de que ela se atualiza em uma dimensão pertencente à própria fé. Entender isso faz com que a pessoa tenha mais confiança em abraçá-la. Na Bíblia, na Carta aos Hebreus, 11, 1 vemos o seguinte: “ A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem. (Hb 11,1)” Aliás, todo o capítulo 11 discorre sobre a fé apresentando vários fatos da narrativa bíblica onde a manifestação dela conduziu mudanças significativas na história do povo e de alguns personagens do texto sagrado. “Já possuir aquilo que se espera”, trata-se de antecipar a posse da esperança. O sentimento de já possuir, de já ter realizado aquilo que não se materializou ainda, é um dom sublime para quem o tem.


     Neville Goddard tem um livro chamado o “Sentimento é o segredo.” Basicamente, em escritos de vários autores sobre como as pessoas buscam melhorar suas vidas, sua saúde e suas condições é comum encontrar nas pesquisas, o papel fundamental que os sentimentos exercem nessas buscas. Fé é fé, entretanto, o nível de sentimento pode mudar de acordo com o nível de consciência da pessoa. Sentir ou não a realização daquilo que se espera depende muito de autoconfiança e sobretudo do desprendimento das incontáveis crenças limitantes que envolvem a pessoa, sendo uma dessas crenças, contraditoriamente, a limitação da própria fé. Estranho, mas crer que a fé não existe ou, não mobiliza a própria história, de fato acontece.


     A fé é pessoal, entretanto cria grupos sociais de gente que escolhe professar uma mesma fé, fundamentada nos princípios religiosos ou não. Um “bezerro de ouro” ou alguém que estimula uma espécie de fanatismo em uma comunidade, também pode constituir propósitos ligados a uma espécie de fé, de forma a criar equívocos quando regida por sentimentos de ódio, paixões obscuras, medo, desejos, orgulho, etc. Dizem ser sinais de fé cega, mas não deixa de construir realidades ruins. A fé pura caminha rumo a uma interação profunda com Deus, o Supremo Bem, e nesse caminho deixa impressos sinais de bondade, de testemunho de entrega e confiança se realizando na dimensão a unir as pessoas ao Criador. Bem narra alguns sinais o Cap 11 da carta aos Hebreus. Assim, para quem tem fé e segue a verdadeira fé, torna-se acessível a compreensão dos sinais e testemunhos deixados pelos caminhos. Os símbolos de vida, edificação, promoção, comunhão, partilha, respeito, amor, paz, aceitação, acolhimento e contemplação da pessoa humana como imagem e semelhança de Deus, refletem a fé como instrumento de constante renovação da humanidade, envolvida na aproximação cada vez maior a Deus. Diante outros símbolos, a pergunta é: de fato permitem estar mais perto de Deus? Se a resposta for não, então todo cuidado para evitar o encanto por uma espécie de fé enganadora e possivelmente destrutiva.


     Há uma frase do filósofo Soren Kieerkgard que diz: “a fé é um paradoxo que não pode ser reduzido a qualquer raciocínio, pois ela principia exatamente lá onde termina a razão.” (GILES). O início da fé está onde termina a razão. A razão está sempre em construção por ser um processo humano em busca do conhecimento e aperfeiçoamento de sua natureza. A fé está além. No término da razão está a entrega, a confiança, é um saber ao mesmo tempo desproposital e proposital indicando o despojar ao desconhecido, fora do raciocínio, além da razão, mas na confiança de que é o correto a se fazer ou acreditar. Algo que foge dos nossos planejamentos, no entanto revela condições extraordinárias que integradas aos insuficientes planos trazem um sentido inesperado e inexplicável aos rumos da existência. Parece não fazer sentido por estar distante da razão e faz todo sentido quando compreendido à luz da própria fé. O espaço para lidar com os mistérios da fé se dá na religiosidade, não necessariamente, porém é no âmbito da religião pessoal e comunitária onde as expressões de fé trazem condições mais justificadas a convivência e prática dos gestos de fé, de tal forma a divinizar o humano e humanizar o divino. E quanto poder há nesse processo de se encantar com a fé.


     Apesar da complexidade presente nas reflexões sobre a fé, é deveras prazeroso o envolvimento com o tema ao perceber a evolução que ela trouxe na história da humanidade, criando e reorientando destinos. Na narrativa do Gênesis, pela fé, acolhemos a dinâmica da criação através do Palavra Divina. Nos Evangelhos de Jesus, chamando a atenção ao “Sermão da Montanha”, (Mt 5, 6, 7), há uma releitura dos antigos textos, em vários momentos o discurso diz assim: “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos... eu, porém, lhes digo: ...” (Mt, 5, 1-43) mostrando um novo sentido para a fé e uma nova orientação à prática dela, apontando uma forma diferente de interpretação da Lei sem negá-la, culminado no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo: “Jesus respondeu: ‘Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com todo o seu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: ame ao seu próximo como a si mesmo. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos.’ ” (Mt 22, 37-40) .  Ainda no contexto do “Sermão da montanha, há a referência ao entendimento de uma “regra de ouro”, “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os profetas. ” (Mt 7, 12). Pode-se dizer que a maneira como tratamos as pessoas reflete a forma como esperamos ser tratados, vai além, a confiança em Deus permite às pessoas compreenderem o próximo como integrante de uma mesma comunidade que denominamos planeta terra. As orientações provindas e fundamentadas no Cristianismo, aquele trazido pelas primeiras comunidades que se formaram no testemunho de fé dos apóstolos e evangelistas e em torno da vida, prática e ensinamentos de Jesus, apontam uma sociedade que zela e preza esses ensinamentos de forma consciente e não alienada.


     Há certa inclinação por uma interpretação do Evangelho  buscando agressividade e truculência na tentativa de justificar inconsistências e desconhecimentos do próprio Cristo. Entretanto, o teor do seguimento ao Cristianismo, necessariamente, mostra outro caminho: o do amor, da partilha, da compreensão, da acolhida, da oração, do perdão, da humildade, da plena comunhão com o Deus Pai-Mãe, inaugurando um convívio mais sadio entre as pessoas. Ah mas, por que será que “o mundo” está tão estranho? Será que não é porque nos distanciamos dos princípios da fé no Criador, ainda que parte de uma fé? Então muita gente recorre à belicosidade armamentista ou de sentimentos, para quem sabe, no final, perceber que não devia ser assim, somente ao ver o resultado cruel de destruição que os sentimentos e atitudes de ódio causaram. Historicamente, encontramos distorções, tais como, o uso da fé para controle social, perseguições diversas, manipulação da consciência coletiva e imposições forçadas inclusive sob o uso de armas. Há que se questionar se realmente trata-se de fé. Não há de ser essa a boa nova inspirada nos Evangelhos.


     Ainda há tempo para purificar nossa fé. Ainda há tempo para compreender a fé. Ainda há tempo para reconhecer os sinais da fé. Ainda há tempo para sermos melhores. O tempo de ouvir, pela fé, as mensagens: ¨Coragem, filha! Sua fé curou você.” (Mt 9, 22). Quando Jesus disse à mulher com hemorragia que curou-se ao tocar em sua túnica. “Jesus disse: ‘Veja. A sua fé curou você.’” .(Lc 18, 42) Ao cego no caminho de Jericó que teve de volta a visão. “E disse a ele: ‘Levante-se e vá. Sua fé o salvou.’” (Lc 17, 19), à pessoa com lepra que fora curada e voltou para agradecer. E, se a fé da pessoa for do tamanho de uma semente de mostarda, pode mover montanha e nada será impossível. (conf. Mt 17, 20). O tempo é agora.


     Além de Kierkgaard, outro filósofo existencialista que referencio é Martin Heidegger, interessante que ele traz uma reflexão sobre o “Ser” que é diferente do “ente”. Ente é tudo que vemos, tocamos, nós nesse contexto Heidgaardiano somos entes, a diferença é que podemos pensar a nossa existência, de alguma forma, temos consciência dela. E também estamos aí, (Da-sein), segundo ele, somos o ser-aí, que existe no espaço e tempo e na relação com os outros, jogados à própria sorte, diante as situações existencialistas. O Ser é e é inatingível, pois quando definimos o Ser ele deixa de ser e torna-se ente ao ter uma definição. O legal é contemplar a infinitude do Ser, nos coloca a caminho do aperfeiçoamento ao termos consciência de que, como entes capazes de pensar nossa existência, temos em nós a centelha do Ser, o que nos torna, de alguma forma, especiais, pois ao compreender isso podemos ter, também, a responsabilidade natural de cuidar dos outros entes conviventes em nosso planeta.


     Tudo indica que o aperfeiçoamento a nos permitir aproximação do Ser, integra e requer expansão da consciência até atravessar a dimensão do Ágape, o amor incondicional refletido na plenitude da relação com Deus. E é assim que concluímos nossa reflexão sobre a fé, sem começar e sem terminar, pois, ela está além do que pensamos, ela antecipa o que esperamos, principia além da razão, propõe uma releitura das antigas leis, reinaugura uma nova comunidade, move montanhas, nos aproxima do Ser e nos permite contemplar o ágape em constante aperfeiçoamento. Tenhamos e cultivemos a Fé. Ah! Ela também cura! Confia!


Referências:


Goddard Neville. O Sentimento é o segredo - A arte de fazer de seus desejos. 1944


GILES, Thomas. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1975.


Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. São Paulo. Paulus, 1990.


HEIDEGGER, M. Ser e Tempo: parte II. 6ªed. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti Schuback. Parte II Petrópolis: Vozes, 2006.


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