O dia em que visitei o futuro
O dia em que visitei o futuro
Tudo começou quando observei o maquinário na oficina. Logo surgiu a ideia de construir uma máquina do tempo. O conhecimento adquirido, as ferramentas disponíveis, os equipamentos eletrônicos, a luz de mecânica quântica que havia terminado de inventar, toda a literatura e técnicas acumuladas ao longo dos anos com certeza auxiliariam o meu projeto.
Era simples: bastava fazer uma caixa de tungstênio, conectá-la, mediante vários fios ópticos, à CPU do computador, apoiar as mãos em duas lâmpadas quânticas anexadas no interior da caixa e em seguida definir a data composta por ano, hora, minutos e segundos. Pronto, já no interior da caixa, posicionado na cadeira, também de tungstênio, após uma longa respiração e, com o tempo definido para 30 anos, coloquei as mãos nas lâmpadas e senti a energia de luz vibrando por todo o corpo. Um clarão forte cegou meus olhos por um momento. Ao voltar a ver, estava no mesmo lugar. Imaginei algum insucesso; entretanto, ao olhar a oficina, parecia que ela estava começando. Pensei que, no futuro, eu havia mudado de lá.
Olhei ao redor e investiguei mais a fundo na esperança de descobrir se o experimento realmente havia funcionado. Ao tentar sair da minha oficina, tropecei em um par de botas novinhas. Ao olhar com mais atenção, percebi que era o meu velho par de botas que calçava enquanto trabalhava na oficina, hoje já manchado de tinta, com a sola desgastada e com um furo no meio, daquela vez em que pisei em um prego há alguns anos; porém, elas estavam ali na minha frente perfeitamente novas. Continuei meu caminho e saí da oficina pela porta que dava direto ao jardim, porém não podia acreditar em meus olhos, que começavam a lacrimejar. Nenhuma das minhas plantas estava lá e nem mesmo parecia que tinham morrido; simplesmente nunca estiveram lá, somente uma única muda: a de uma árvore que plantei na semana em que me mudei, 30 anos atrás. Finalmente, percebi que minha máquina do tempo funcionou, porém levou-me ao passado.
Voltei correndo para minha oficina para ver o que tinha acontecido com a máquina do tempo para ela ter retornado ao passado. Retirei a caixa de tungstênio e percebi que havia soldado os fios das lâmpadas invertidos. Ora essa, um velho inventor cometendo o erro de um novato! Peguei o ferro de solda que levei em minha caixa de ferramentas, retirei os cabos, coloquei-os na ordem correta e comecei a soldar; porém, envolvido pelo sentimento de nostalgia, percebi que o tubo de estanho estava no fim. Quando comprei, vi toda aquela quantidade e pensei que demoraria uma vida para gastá-lo, mas parece que o tempo realmente passou e foi bem rápido.
Agora o problema estava resolvido, já poderia voltar para o meu tempo e, em seguida, avançar para o futuro, mas algo dentro de mim dizia que minha aventura deveria seguir por este caminho em que estou, ou melhor, por esse tempo. Tranquei minha máquina do tempo para evitar acidentes temporais e resolvi passear pelo meu passado.
Naquele período, exercia a função de professor em uma faculdade. Conduzia um projeto de pesquisa com os alunos, visando a conclusão do mestrado. Era o início do que viria a ser as lâmpadas quânticas. Apesar da aprovação da dissertação, devido à lógica metodológica, ninguém colocou fé na possibilidade de desenvolver as tais lâmpadas. Peguei emprestado meu boné do time do coração e caminhei até a esquina, maravilhando-me com a sensação de ver tudo como antes. A intenção era aguardar meu eu do passado voltar da faculdade e deixar o inusitado acontecer. Na praça próxima à casa, havia um armarinho que vendia praticamente de tudo. Aproveitei a oportunidade para adquirir um par de óculos escuros, a fim de suavizar o impacto do inesperado encontro. Reconheci algumas pessoas, mas evitei qualquer interação. Sentei-me no banco da praça por um tempo e, de repente, vi passar o Gol/93, prata. Sorri ao lembrar que, no ano seguinte, terminaria de pagar as prestações ao receber a bolsa de estudos que me levaria a Oxford, na Inglaterra, para apresentar as pesquisas.
Acelerei o passo em direção a casa. Sabia que passaria ao menos uma hora na garagem revendo alguns estudos e organizando as aulas do dia seguinte. Ao chegar, encontrei-me comigo olhando estranhamente aquele manto no canto do cômodo. Antes que eu tocasse, direcionei um sonoro “oi”, provocando um pequeno susto.
“Acalme-se, sou eu”, disse, estendendo a mão para um possível cumprimento.
Antes que nossas mãos se encontrassem, sentimos uma descarga elétrica que nos fez recuar as palmas e esfregá-las. Ele sequer perguntou quem eu era; já tinha percebido.
“Então, quer dizer que deu certo?” indagou, sorrindo.
“Sim, mas não era esse o meu destino. Nosso sonho era vislumbrar o futuro; no entanto, conectei um fio invertido na trajetória da lâmpada quântica e retornei trinta anos.”
“Independentemente disso, estou satisfeito com as minhas teorias. A realidade é que a sua visita, possivelmente, gerará uma nova linha do tempo, aprimorando nossas investigações. Eu gostaria de observar a máquina por alguns momentos. Embora saiba que não posso tocá-la, isso me ajudará a visualizar nosso projeto.”
Estávamos cientes do que pensávamos e do que iríamos dizer, com serenidade. Dadas as evidentes marcas do tempo, eu me acomodei em um pequeno banco de madeira que tínhamos na oficina, enquanto ele se sentou no chão; restava decidir quem iniciaria a conversa. Conhecendo bem nossa trajetória, identifiquei aquele olhar que perguntava: e então, como está o futuro? Aproveitei a oportunidade para listar uma série de termos que, naquela época, eram desconhecidos: carro elétrico, celular, smartphone, tablet, TV de LED, medicamentos, placa de vídeo, SSD, óculos de realidade virtual, redes sociais, WhatsApp, Google, Tesla, BYD, ENEM, Covid, Pix, smartwatch, touchscreen, inteligência artificial, Bluetooth, o filme Avatar, Spotify, Minecraft, Playstation 5, Xbox Series S, Windows 11, Android 14.
A cada conceito, buscava elucidar o significado e os progressos relacionados. Notei que a linguagem ainda se mostrava distante. Nossas percepções científicas contribuíam bastante para a compreensão; entretanto, percebi que havia lacunas a serem preenchidas que permitissem a apropriação dos conceitos.
Sentíamos no ar uma energia ímpar. Ele tinha consciência de que eu poderia ter retornado assim que chegasse, e, por isso, expressou sua gratidão pela nossa curiosidade. Eu sabia que ele evitaria interferir no curso, agora mais ou menos, natural da história. Citei alguns livros que já existiam e que apenas leríamos duas décadas mais tarde. Rimos bastante ao comentar como o termo "física quântica" polvilhava o futuro com uma conotação bem distinta dos nossos estudos. De qualquer modo, franzimos as sobrancelhas, nutrindo uma desconfiança de que talvez fosse viável...
“Você gostaria de pernoitar aqui ou deseja voltar hoje?” Perguntou.
“Quanto menos eu ficar, melhor.” Sabíamos que, ao optar por aquela interação, seria oportuno retornar o quanto antes. A não ser pelos livros indicados, não senti necessidade de fazer algum pedido que impactasse em nossa vida futura. Meu eu do passado também não me pediu. Apenas me indagou o que eu gostaria de realizar, tendo em mãos as possibilidades que a máquina temporal poderia oferecer.
“Penso em não divulgar o feito. Gostei muito do nosso encontro e da nossa conversa. Ao visitar o passado, sinto que tenho um encontro muito importante para realizar: ir para o futuro do meu presente e encontrar-me, satisfeito pela experiência que tivemos no passado. Muito obrigado por me acolher e me orientar. Decidi, simplesmente, viver intensamente o agora que me aguarda lá. Compreendi que voltar ao passado fez-me reconhecer a importância do meu presente, que agora nada mais é do que o meu futuro, assim que chegar lá, quando se tornará presente. Levar esta gratidão é tudo o que mereço agora."
Instalei-me na máquina, com as mãos sobre as lâmpadas quânticas e, quando o brilho temporal começou a se espalhar, escutei um grito do meu eu do passado, dispensando uma única pergunta de última hora que certamente considerou relevante:
“Por que tungstênio?”
"Meus filhos...."









