O Direito à alimentação.
Por Cláudia Chaves Martins Jorge
A Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) patrocinou o 1º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento¹, ocorrido no dia 17/06/2021. O Ministro Paulo Guedes foi um dos convidados, mas sua fala teve repercussão negativa. O Ministro fez um comparativo entre o prato do europeu e o do brasileiro, afirmando que o Brasil produz muita sobra de alimentos, ao contrário dos países europeus, que já passaram por duas guerras mundiais. Ressaltou ainda que há muita sobra nos restaurantes e que estes restos de comida, não utilizados no dia, poderiam servir para alimentar mendigos, pessoas fragilizadas e desamparadas, enfatizando que é melhor do que deixar a comida estragar².
Pelo Twitter, a Fenafisco criticou duramente a fala do Ministro, afirmando que para sair da crise dos últimos anos por ações ineficientes, é necessário o fortalecimento dos serviços públicos e amparo às populações mais vulneráveis3. Outras tantas reclamações também vieram dos meios de comunicação como a Folha de São Paulo4, IG economia5 além das manifestações pelas redes sociais, como a do Ex-Ministro da Saúde Henrique Mandeta6.
Ocorre que o Direito à alimentação é básico e assegurado pela Convenção Americana de Direitos Humanos7, além de integrar o rol dos Direitos Sociais do artigo 6º da Constituição Federal8. A Lei de Segurança alimentar9, que entrou em vigor em 2006 no governo Lula, dispõe em seu artigo 2º que a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal. E ainda atribui ao Poder Público o dever de adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Doar a alimentação excedente sempre foi uma preocupação dos restaurantes, em razão do que dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor10, sobre a responsabilidade de reparação de danos, independentemente de culpa, por defeitos relativos na prestação de serviços. Em 2020, já no Governo Bolsonaro, entrou em vigor a Lei 1401611 autorizando expressamente a doação de excedentes não comercializados e ainda bons para consumo, isentando de culpa os estabelecimentos como os restaurantes, estabelecimentos dedicados à produção e ao fornecimento de alimentos, incluídos alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas para o consumo. Somente haverá responsabilidade na esfera penal caso seja provada a intenção (dolo) de causar danos à saúde daquele que recebeu a doação.
Porém, há que se considerar que muitos dos beneficiários são pessoas em situação de vulnerabilidade, moradores de rua, pessoas que talvez não tenham ninguém que olhe por elas. A companhia que têm é de um outro morador de rua que se tornou conhecido por viverem o mesmo drama. Não dá para cobrar destas pessoas uma atitude de ir à procura de quem, intencionalmente, lhes causou danos e ainda provar que foi intencional. Estas pessoas vivem à margem da sociedade, são incapazes de procurar uma assistência jurídica para lhes garantir o direito ao ressarcimento pelos danos sofridos. Se uma pessoa dessa morre na rua, provavelmente irão dizer que foi por consumo de drogas ou álcool e ficará por isso mesmo, já que talvez não tenham nem quem reclame o corpo para um enterro decente.
O Brasil está cada vez mais longe de garantir igualdade de oportunidades. O Direito à alimentação é direito básico para manter as pessoas vivas. Existem muitas coisas que podem ser feitas para tirar as pessoas da fome, investir em restaurantes populares onde a refeição tenha o custo de R$ 1,00 dá a essa pessoa a dignidade de saber que “pagou” pela refeição dela, é sinal de respeito e melhora a autoestima. Para aqueles que não têm o dinheiro, que a comida lhe seja igualmente servida, mas que junto seja servido também um incentivo para que esta pessoa possa trazer R$ 1,00 para pagar da próxima vez.
É um engano achar que as pessoas só querem ganhar as coisas, elas querem também conquistar. Porém, para que se chegue a esse ponto, é preciso ter um outro olhar para a população em situação de vulnerabilidade que, tem aumentado assustadoramente.
Referências:
1https://esg.abras.com.br/
2 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/guedes-diz-que-classe-media-exagera-no-prato-e-que-sobras-poderiam-alimentar-pobres.shtml
3 https://twitter.com/fenafisco
4https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/06/guedes-diz-que-classe-media-exagera-no-prato-e-que-sobras-poderiam-alimentar-pobres.shtml
5https://economia.ig.com.br/2021-06-17/paulo-guedes-economia-bolsonaro.html
6 @lhmandetta
7https://www.google.com/search?q=conven%C3%A7%C3%A3o+americana+de+direitos+humanos+1969+pdf&oq=CONVEN%C3%87%C3%83O+AMERICANA+DE+DIREITOS+HUMANOS+(1969&aqs=chrome.2.69i57j0j0i22i30.3081j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8
8http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
9http://www4.planalto.gov.br/consea/conferencia/documentos/lei-de-seguranca-alimentar-e-nutricional#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.346%2C%20DE%2015,quada%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.
10http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm
11http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14016.htm