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Indulto individual, Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito

Cláudia Chaves Martins Jorge • abr. 22, 2022

Indulto individual, Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito

No dia 21/04/2022 foi publicada a edição extra do Diário Oficial da União¹ concedendo indulto individual ao Deputado Federal Daniel Lúcio da Silveira condenado pela maioria do plenário do STF² a oito anos e nove meses de prisão, a ser cumprida, inicialmente, em regime fechado. O fundamento da decisão que condenou o Deputado se pautou no entendimento de que suas declarações não foram relacionadas ao exercício do mandato, desta forma, não estariam protegidas pela imunidade parlamentar.


Logo após a condenação, o Presidente Jair Bolsonaro, em uma “live³”no Youtube, anunciou que concederia o indulto individual ao Deputado Daniel Silveira e assim o fez. A partir deste anúncio, as opiniões começaram a se dividir, mas, conforme dispõe o artigo 84, XII da Constituição Federal, a concessão de indulto é um ato privativo do Presidente da República:


“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

[...]”


Porém, o que está em discussão não é a legitimidade do ato privativo do Presidente, mas sim, como se deu a concessão deste indulto. O Presidente justificou sua decisão em “considerações” apresentadas no Decreto, porém, cabe aqui, uma análise de cada uma delas:


1) “Considerando que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável;” – realmente, é prerrogativa presidencial a concessão de indulto individual, mas, nesse caso, cria-se uma instabilidade na manutenção do Estado Democrático de Direito porque ocorreram ameaças ao STF e seus membros e a incitação à prática de violência física e verbal contra Ministros da Suprema Corte, com o pedido de um “novo AI-5”. Um pedido desses, vindo de um Deputado Federal eleito por força da democracia fere, sobretudo, ao que dispõe a Constituição Federal de 1988. Aliás, de acordo com o Professor Pierpaolo Cruz Bottini, em entrevista à revista Exame4, “o indulto individual nunca foi usado no regime Constitucional a partir de 1988.” Historicamente, tem-se a concessão de indultos individuais no Brasil pelo então Presidente José Linhares em 1945, a dois cidadãos de nacionalidade italiana5.


2) “Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações;” – Deputados e Senadores têm a prerrogativa de manifestarem-se amparados pela Imunidade Parlamentar conforme previsto no art. 53 da Constituição Federal6. No entanto, esta imunidade não pode ser usada como escudo protetor para ferir a honra ou a imagem de quem quer que seja ou para incitar ataques à Suprema Corte. Mesmo porque, a liberdade de manifestação alcança apenas o exercício da função parlamentar. Se um Deputado ou Senador utiliza a Tribuna ou redes sociais com declarações ofensivas à honra, a integridade física ou a imagem de alguém ou de alguma instituição e seus membros, fere, com tal atitude, o Código de Ética e Decoro7, além de estar sujeito às implicações legais e judiciais.


3) “Considerando que a concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes;”  - indiscutivelmente, a concessão do indulto individual é ato privativo do Presidente, conforme dispõe a CF/88, mas o que se questiona, não é a legitimidade do Presidente para tanto, e sim, as condições em que ele concedeu o indulto ao Deputado Daniel Silveira. Em razão da tripartição dos poderes, igualmente não cabe ao Presidente da República atentar contra atos de outro poder, no caso, o Poder Judiciário. O Decreto presidencial concedendo o indulto veio antes mesmo do trânsito em julgado da decisão condenatória, o que contraria a lógica processual.


4) “Considerando que a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis;” – a concessão do indulto é legal, ou seja, encontra amparo na lei, mas não se pode dizer que seja moralmente cabível. O conceito do que é moral ganhou um brilhante esclarecimento nas palavras do Dr. Orlando Luiz Zanon Junior8, Doutor em Ciências Jurídicas:


“Entende-se como Moral a escala de valores de cada pessoa, voltada ao direcionamento daquilo que é certo ou errado (justo ou injusto), de acordo com seu conhecimento adquirido, de modo a orientar as suas deliberações. Tal abordagem da moralidade é amplamente subjetiva e, assim, variável no espaço e no tempo, porquanto diz respeito às opiniões de determinada pessoa acerca do que é correto ou incorreto de se fazer, de acordo com a carga axiológica que adquiriu até o momento.”


Não é moralmente aceitável que um Deputado Federal peça um "novo AI5" ou que incite a violência física ou verbal contra membros da Suprema Corte do país. E menos aceitável ainda dizer que tais atos são justificados pela liberdade de expressão. A imunidade parlamentar tem limites impostos ao exercício da função e, a incitação à violência física ou verbal, não está dentre as funções de nenhum parlamentar. A todo parlamentar cabe prima facie o respeito e obediência à Constituição Federal.


5) “Considerando que ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público;” – sim, ao Presidente democraticamente eleito foi confiada a missão de zelar pelo interesse público, não particular.


6) “Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”. Ao que se sabe, não houve “comoção” por parte da sociedade, o que se viu foi o Deputado Daniel Silveira, acompanhado do também Deputado Eduardo Bolsonaro tentando entrar no STF no dia do julgamento, mas, pela foto postada no “Twitter” do próprio Deputado Eduardo Bolsonaro9, não se viu comoção alguma por parte da sociedade.

 

Em uma entrevista,10 o ex-Ministro Ayres Brito afirmou entender que o indulto concedido pelo Presidente “[...] entrou em rota de colisão com a Constituição Federal.” Aliás, pode-se dizer que igualmente entrou em rota de colisão com próprio Estado Democrático de Direito. Depois da publicação do Decreto presidencial, alguns partidos políticos já se mobilizaram em ação conjunta no STF contra o indulto concedido por Bolsonaro. Em 2017, o então Presidente Michel Temer concedeu indultos de natal11 a presos condenados por corrupção e lavagem de dinheiro que tinham cumprido um quinto da pena. Na época, o STF, por 7 votos a 4, julgou o decreto constitucional. Mais uma vez o STF se vê confrontado com a mesma matéria, com uma peculiaridade ímpar. Cabe agora à Suprema Corte fazer seu papel de “Guardião da Constituição.”


REFERÊNCIAS:

 

¹https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-de-21-de-abril-de-2022-394545395

²https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=485660

³https://www.youtube.com/watch?v=XTCs_1RVLlQ

4https://exame.com/brasil/entenda-o-que-e-graca-constitucional-que-bolsonaro-concedeu-a-silveira/

5https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-20082-3-dezembro-1945-327308-publicacaooriginal-1-pe.html

6http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

7https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/eticaedecoro/arquivos/Codigo%20de%20Etica%20da%20CD.pdf

8https://revista.esmesc.org.br/re/article/download/85/79

9https://twitter.com/BolsonaroSP

10https://www.poder360.com.br/justica/perdao-a-daniel-silveira-e-inconstitucional-diz-ayres-britto/


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