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Em tempos de polarização

Sidney Jorge • jun. 06, 2022

Em tempos de polarização.

Por Sidney Jorge


 Um dia, em uma roda de conversas, um amigo perguntou o que seria a História e, prontamente, o outro respondeu: a História nada mais é que uma luta de classes. Talvez, o conceito não traduza inteiramente o que representa cada fato histórico vinculados aos devidos registros, desde o momento em que se tenha conhecimento deles. Além dos conflitos, a história é definida, também, pelas conquistas científicas, tecnológicas, pela arte, pela cultura, pelas descobertas...Entretanto, é difícil negar a gigantesca influência da luta entre classes sociais na evolução histórica. A luta é fator preponderante à busca pela sobrevivência. Nos primórdios, conforme registros e hipóteses antropológicas, foi a capacidade de se organizar em grupos que permitiu nossos ancestrais lutar contra predadores, elaborar métodos e ferramentas de caça e chegar a uma dieta baseada em proteínas animais e evoluir o cérebro


 “Sabemos hoje que uma dieta rica em proteína animal é muito importante para o desenvolvimento da criança. No entanto, não se pode atribuir a esse fato tamanha distinção, haja vista que nenhum dos grandes mamíferos carnívoros evoluiu para um considerável aumento do cérebro simplesmente porque comia carne. Como será visto adiante, o mais importante foi a mudança na dieta e não a dieta em si. Em outras palavras, a busca de soluções mais eficientes para a obtenção da carne (captura da presa) foi mais importante do que comê-la simplesmente. A dieta mais rica em proteínas pode, isto sim, ser considerada como um fator adicional concomitante que forneceu as condições nutritivas favoráveis ao crescimento do cérebro.”1.

A percepção de um trabalho articulado em grupo formou também a capacidade de socialização, aprimoramento da linguagem e, consequentemente, de sobrevivência. Algumas artes e pinturas rupestres trouxeram-nos evidências antropológicas associadas a História2.


Voltando aos conflitos sociais, pode-se recorrer a registros bíblicos tais como os eventos do livro Gênesis3 cap 37 à 50, que narra a saga de José, culminando no povo israelita mudando-se para o Egito. E, no livro do Êxodo4, o povo torna-se, posteriormente, escravizado pela classe poderosa do Egito até a inspiração de Moisés que lidera uma retirada dos israelitas daquele local sob uma narrativa muito conflituosa dada a intransigência do Faraó e seus conselheiros. A liberdade deu-se rumo a “terra prometida” diante um cenário bem ruim ao Faraó e seus adeptos. O povo israelita também se viu envolto a vários conflitos após estabelecer-se.


Sócrates, filósofo grego (470 -399 a.C), fora condenado à morte por apresentar um pensamento que, considerado pelas autoridades, confrontava a supremacia da sociedade da época “corrompendo a juventude”. Através da maiêutica, em confronto de ideias recorrendo a questionamentos que levavam ao despertar da consciência tornando mais claras a visão da realidade de seus ouvintes. Poder-se-ia dizer que o método de Sócrates levava seus interlocutores ao empoderamento intelectual permitindo pessoas de classes inferiores a compreender os conflitos existentes no sistema de classes da época.


  “Sócrates foi condenado à morte acusado de corromper a mocidade e de desconhecer os deuses da Cidade. Enquanto aguardava a execução da sentença, discutia com seus discípulos a respeito da imortalidade da alma... Portanto, Sócrates é “subversivo” porque “desnorteia”, perturba a “ordem” do conhecer e do fazer e, portanto, deve morrer5. ”


 O período que compreende a ascensão e queda do Império Romano foi extremamente sustentado por regimes de castas e classes sociais bem definidas ao longo da História;


 "A crise do Império Romano iniciou-se a partir do século II-III d.C. Marcaram esse período a crise econômica, a corrupção, os sucessivos golpes e assassinatos realizados contra imperadores e, como elemento final, as invasões germânicas6."   

 "Além disso, o fim da expansão territorial romana afetou fortemente a economia. A partir do século II, o Império Romano passou a priorizar a manutenção do gigantesco território conquistado. Isso afetou diretamente o sistema escravista, que era sustentado a partir dos prisioneiros de guerra levados ao Império como escravos. A crise do sistema escravista foi ampliada na medida em que os povos conquistados recebiam o direito à cidadania romana.

Esse contexto desencadeou uma crise econômica em razão da diminuição da produção agrícola e do encarecimento dos alimentos. O encarecimento dos alimentos gerou fome, e revoltas aconteceram em determinadas regiões. Além disso, essa crise econômica afetou diretamente a manutenção dos exércitos localizados nos limes, as fronteiras do Império Romano7. ”


 Bárbaros, escravos, camponeses, clérigos, reis, senhores feudais, vassalos, suseranos, artesãos, depois surgem os burgueses, Séc XI e vão se fortalecendo e ganhando relevância, passando pela revolução industrial no século XVIII até os dias atuais. É nesse contexto que surge e ganha expressão uma classe que sempre existiu, mas começa a tomar consciência de seu valor histórico nos períodos anteriores até então: a classe operária e, por motivos didáticos, pode ser nomeada como proletariado.


 "Proletariado é a classe social mais baixa que se formou dentro das sociedades industrializadas, aquela que menos resistência poderia oferecer à pressão exercida pelas demais camadas sociais.

Proletariado é a classe dos proletários, é a classe dos operários, constituída de indivíduos que se caracterizam pela sua condição permanente de assalariados e pelos seus modos de vida e atitudes decorrentes de tal situação.

A palavra proletário teve origem entre os romanos, para descrever o cidadão pobre que só era útil à República para gerar “prole” (filho), que no futuro iria servir à Pátria. No século XIX, a palavra proletariado passou a ser usada para identificar a classe sem propriedade, a classe que não possuía meios de produção capazes de gerar seu sustento, precisando vender sua força de trabalho para aqueles que possuíam os meios de produção8."


 Muitos conflitos ocorridos podem ser referenciados desde as origens do tempo: religiosos, bélicos, revolucionários, econômicos, filosóficos. Porém o destaque vai para a força que ganhou o antagonismo entre a ideologia burguesa – burguesia, e, a classe operária.

A burguesia, composta de comerciantes, vê-se como uma elite privilegiada, entretanto, a elite por sua vez, compõe-se por

banqueiros, industriários, proprietários de grandes comércios, redes de atacado, varejo e outros. Interessante que alguns pequenos comerciantes se veem como pertencentes à elite e sustentam a ideologia dela. O fato de existir diferentes ocupações e atividades para as pessoas, não deveria levá-las a subjugar as outras, propondo trabalho escravo, remunerações injustas, destituição de direitos, preconceitos e anulação de direitos conquistados pela classe operária e pelo reconhecimento de sua importância.


É exatamente nesse panorama que se encontra o tema da polarização. Hoje é lugar comum ouvir falar desse tema e, praticamente, é direcionado às questões políticas partidárias como se realmente o fosse. Mas essa pretensão torna a polarização um tanto quanto simplista quando se entende tratar de conflitos de interesses apenas entre dois polos políticos partidários: esquerda x direita, conservadores x progressistas, liberais x estadistas, democratas x republicanos, sendo que, verdadeiramente, trata-se de uma pauta econômica da elite que vai de encontro aos anseios inclusivos da classe operária e, consequentemente, bem mais limitada economicamente. 


 A polarização nasce de um conflito de classes e não de preferências por esse ou aquele partido político ou liderança. Compreender isso é substancial para consertar as coisas. O ponto de vista deveria ser econômico, fundamentado no entendimento das relações oriundas do processo dos meios de produção, e, não partidário. As ideologias confundem o jogo de interesses expostos no tabuleiro das repúblicas. Se por um lado percebe-se acúmulo de capital resultado de perdas de direitos trabalhistas, exploração de mão de obra, adequação de leis tributárias, baixas renumerações, no outro, encontramos subempregos, inflação, desemprego, trabalho escravo, exclusão, desinformação, dependência e, sobretudo fome.


E a população, massivamente, recorre ao argumento da polarização com atitudes, inclusive violentas, mesmo que em redes sociais, desqualificando partidos, lideranças e a política, justificando certa falta de compreensão, deixando de perceber que seu poder aquisitivo, já ínfimo, está diminuindo ainda mais, devido ao aumento dos preços de seus essenciais bens de consumo, enquanto vislumbra apática ostentações econômicas, às vezes resultados de sacrifícios de projetos, programas ou políticas públicas de inclusão que deveriam beneficiar e aprimorar a consciências das pessoas com baixo poder aquisitivo dependentes, ainda, do amparo do Estado. Não há dúvidas que o desafio é optar por projetos includentes, de ampliação do acesso às instituições de ensino e até de reestruturação do processo da educação para inserir, na sociedade, pessoas cultas e preparadas na interação com os meios de produção, mantendo uma vida digna, conscientes de sua integridade, deveres e direitos, com certeza. O mercado e seus representantes , a elite, por hora, teriam verdadeiros parceiros e não peças objetivas para efetivar mão de obra apenas. Não necessitaria mais ter medo ou ficar reféns das escolhas políticas, hoje, resultado, em sua maioria, do poder econômico. Desta forma, a discussão seria mais rica, pois o bem comum teria mais sentido ao impactar beneficamente a todos cidadãos. Segundo Jessé de Souza,


 No Brasil, desde o ano zero, a instituição que englobava todas as outras era a escravidão, que não existia em Portugal, a não ser de modo muito tópico e passageiro. Nossa forma de família, de economia, de política e de justiça foi baseada na escravidão. Mas nossa autointerpretação dominante nos vê como continuidade perfeita de uma sociedade que jamais conheceu a escravidão, a não ser de modo muito datado e localizado9.


E ainda,


Pode-se falar de escravidão e depois retirar da consciência todos os seus efeitos reais e fazer de conta que somos continuação de uma sociedade não escravista. É como tornar secundário e invisível o que é principal e construir uma fantasia que servirá maravilhosamente não para conhecer o país e seus conflitos reais, mas sim para reproduzir todo tipo de privilégio escravista, ainda que sob condições modernas10.


Leva a refletir que no Brasil a sociedade não se desprendeu da mentalidade nem do comportamento e atitudes racistas e escravocratas apresentando maquiagens e novas roupagens para camuflar os desejos incontidos de subjugações e aproveitamentos das condições de miserabilidade de consciência civil, política e social refletidos na população de uma maneira geral. Felipe Nunes Phd, professor da UFMG e diretor da Quaest, que faz pesquisas eleitorais apresentou em seu Twiter11 dados estatísticos e argumentos que evidenciam e vão ao encontro da linha de raciocínio desse texto. Diante suas pesquisas, conclui: “Se alguém tinha dúvida, esses dados mostram que a polarização política se transformou em polarização social. A disputa não é mais entre partidos, mas entre grupos sociais que lutam por direitos, privilégios, garantias e recursos limitados. Ninguém vai querer perder12...".  Ou seja, são privilégios que estão em risco. Só alteraria sua frase dizendo que a polarização política, na verdade, reflete e sempre refletiu a polarização social provinda das relações de produção e da mentalidade escravocrata como nos orienta Jessé de Souza. De qualquer forma, a pesquisa da Quaest, quando separa as preferências políticas de acordo com as classes sociais contribui e comprova o conflito de classes reverberado nos desejos da população brasileira. Em dado momento, ele afirma que tem-se diante o quadro a existência de dois Brasis, "Tenho ouvido muito sobre eleições polarizadas, mas sem evidências que possam ajudar a entender o conceito. Resolvi organizar alguns dados. Quando comparamos região, raça, sexo, renda e religião percebemos que as eleições deste ano estão opondo dois 'Brasis13'.


A dita polarização, entendendo também como polos, historicamente, contrários e que nunca se encontrarão, traz ao convívio um sentimento perpétuo de haver a possibilidade apenas de um cenário de perdedores ou vencedores. Por que não refletir e desejar, apesar do enjoo que pode causar em alguns, em um projeto de integração democrática. Lógico que não se referenda aqui a validação de extremos reacionários ou anárquicos, sem dúvida esses segmentos estão situados além dos próprios polos e, já é sabido, historicamente que o resultado não é nada bom. Mas há que se pensar que a vontade de exercer com sabedoria e maturidade a administração da coisa pública deve favorecer a todos com o máximo de empenho, determinação e sobretudo com desprendimento, honestidade e respeito à pessoa humana e à vida.


 Quando olhamos ao planeta terra, encontramos os polos norte e sul, frios, gelados. A linha do Equador marca o meio, o limiar que culmina nos dois polos. Se por algum motivo eles esfiarem ainda mais, estendendo temperaturas negativas à superfície central da terra, não seria nada bom para as pessoas e nem para as vidas não adaptadas à temperaturas tão baixas. Por outro lado, se ocorrer um superaquecimento do planeta a ponto de derreter e aquecer totalmente os polos norte e sul, também não seria interessante para a humanidade e nem para inumeráveis espécies de viventes.


 “Em celebração ao Dia da Terra, 22, o Google desenvolveu uma série de Doodles que irão chamar a atenção do público para as mudanças climáticas.

 O serviço de pesquisa desenvolveu logos especiais, que irão mudar ao longo do dia. Eles mostram uma compilação de fotos que alertam para o degelo acelerado do permafrost (camada do subsolo da crosta terrestre que está congelada) em diversos locais do mundo14.”   


 Ou seja, o equilíbrio natural das forças beneficia a própria vida. Nem tão frio nem tão quente, tudo o que foge dessa situação requer adaptação ou eliminação de seres vivos. Percebe-se o mal proveniente das queimadas, das guerras, das explorações desproporcionais de montanhas de minérios, de florestas e os impactos causados nas nascentes, nas espécies, nas comunidades, na saturação de poluentes, agrotóxicos, nos rios, mares e oxigênio.


 "A poluição causa a degradação do ambiente, afetando os organismos que ali vivem, além de desencadear problemas econômicos, já que diversas atividades dependem de um meio ambiente equilibrado para que possam ser desenvolvidas. Além disso, os danos causados ao meio ambiente podem afetar diretamente na saúde e no bem-estar dos seres humanos. A poluição do ar, por exemplo, está relacionada ao surgimento de diversos problemas respiratórios ou mesmo à piora no quadro de saúde de seus portadores15."


 A busca de convivência equilibrada com o planeta pode ser o caminho onde todos saem recebendo a melhor forma de viver, cada qual contribuindo com seu papel na história.

 

A narrativa da polarização esconde um processo ideológico vindo das classes, ditas, mais altas da sociedade que detêm o poder econômico, do mercado, ocultando os verdadeiros interesses que é manter o status quo. A esperança, para romper com as intolerâncias no âmago das sociedades, sejam elas quais forem, é o exercício pleno, consciente e respeitoso da democracia na escolha de líderes e representantes zelosos, de fato, pelo bem comum.

 

Referências:

1 -https://grupocataratas.com/origem_evolucao_humana_parte2_/ acessado em 27/04/2022

 2 - https://brasilescola.uol.com.br/historiag/a-arte-rupestre.htm

3- Gên 37-50

4- Êxodo

5- Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Martins, Maria Helena Pires. Filosofando, Introdução à Filosofia. 1993, São Paulo, Ed Moderna. P 71 e 72

 6 - https://brasilescola.uol.com.br/historiag/queda-imperio-romano.htm

7 – Idem

 8- https://www.significados.com.br/proletariado/

9 – Souza, Jessé. A elite do atraso. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019. p 42

10- Idem

11-https://twitter.com/felipnunes/status/1532662295255568389 em 03/06/22

12-https://www.brasil247.com/brasil/polarizacao-politica-reflete-polarizacao-social-aponta-felipe-nunes-da-quaest – acesso em 03/06/22

13- Idem

14 - https://exame.com/tecnologia/dia-da-terra-doodle-google/

15- https://www.biologianet.com/ecologia/poluicao.htm


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