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Estatuto da Criança e do Adolescente - a constante luta pela defesa de Direitos.

Cláudia Chaves Martins Jorge • jul. 13, 2021

Por Cláudia Chaves Martins Jorge


O Estatuto da Criança e do Adolescente completa 31 anos em 2021. Hoje, pode-se dizer, que crianças e adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direitos, mas esta luta por Direitos vem de longa data. Em 1924 a Liga das Nações adota a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança que foi elaborada por Eglantyne Jebb, falecida em 1928, fundadora do fundo Save the Children, instituição que luta para salvar crianças em risco e garantir a elas um futuro. Eglantyne Jebb em 1919 escreveu ao Papa Bento XV pedindo ajuda da Igreja para o combate à fome, o Papa, em apoio ao movimento, pediu que todas as igrejas do mundo arrecadassem fundos para a instituição Save the Children¹.


No Brasil, a luta em defesa das crianças teve início com as Santas Casas que recebiam crianças abandonadas no sistema da “roda”, um local onde a criança era colocada e, ao girar esta roda, ela era entregue aos cuidados da Igreja Católica. Na época da República, com o início das lutas sociais, buscou-se a defesa do Direito da criança reivindicando a proibição do trabalho aos menores de 14 anos e a proibição do trabalho noturno aos menores de 18 anos. Em 1923 foi criado o Juizado de Menores e em 1927 entra em vigor o Código de Menores, conhecido como Código Mello Matos3, já que foi José Cândido de Albuquerque Mello Mattos o idealizador do projeto que culminou na criação do Juizado de Menores do Distrito Federal, no qual tornou-se juiz titular em fevereiro de 1924. E foi o Código de Menores que instituiu a maioridade penal aos 18 anos, permanecendo assim até hoje.3 Sob muitos protestos, o Código de Menores proibia que menores de 12 anos trabalhassem, da mesma forma os que estavam com 14 anos, mas não haviam concluído o primário4.


Em 1948 a Assembleia das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que no artigo 25 garante que “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social5.” Com o Estado Novo nos anos de 1937 à 1945, abriu-se espaço para a instalação de políticas sociais, como a legislação trabalhista, por exemplo. Em 1941, através do Decreto-Lei nº 37796, foi implantado o SAM, Serviço de Assistência a Menores, com a missão de dar amparo social aos menores desvalidos e infratores. Porém, o olhar para o menor era basante preconceituoso, pois o taxava de delinquente e desvalido e propunha internação em estabelecimento oficial ou particular, com objetivos de natureza assistencial, enfatizava a importância de estudos e pesquisas e o atendimento psicopedagógico às crianças e adolescentes carentes e com problemas de conduta, mas não era capaz de diferenciar o menor infrator daquele que era vítima de abandono ou violência7.


A Lei Federal 4.513 de 01/12/19648 criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) substituindo o Serviço de Assistência ao Menor – SAM, traçando diretrizes para a política nacional de assistência a cargo da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e que resguardassem os direitos do menor e da família. A partir de então, criaram-se as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor. Neste período, o Brasil vivia sob o Regime Militar que acabou estabelecendo outras diretrizes na política de cuidado da criança e do adolescente. Em 1979 entrou em vigor o Código de Menores através da Lei 6697 de 10/10/79 onde aparece a expressão “menor em situação irregular” para caracterizar aqueles que fossem pobres, vítimas de maus tratos ou que se encontrassem em perigo moral, propondo, na verdade, soluções paliativas e não inclusivas ao menor. Tirar de cena o menor “em situação irregular” era a solução apresentada pelo Estado.


Na década de 80, movimentos sociais que defendiam os interesses da criança e do adolescente se fizeram ouvir. Em 1982 surgiu uma forte parceria entre a UNICEF e a Pastoral da Criança9, um projeto idealizado por Dom Paulo Evaristo Arns, que ganhou o envolvimento da Médica Zilda Arns responsável por levar o projeto à diante. Com o crescente sentimento de redemocratização do país, ocorreu a implantação da Assembleia Nacional Constituinte. O Pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa exerceu um papel preponderante, pois ele foi um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente. A campanha “Criança Cidadã” foi um movimento forte que arrecadou mais de 20 milhões de assinaturas de meninos e meninas para se incluir na Constituição Federal de 1988 a aprovação da Emenda Criança para assegurar a crianças e adolescentes a prioridade de políticas em todas as situações10.


Em 1987 formou-se então a Assembleia Nacional Constituinte, presidida pelo Dr. Ulysses Guimarães. Na defesa dos interesses da criança e do adolescente, dois grupos atuantes ganharam destaque no propósito de sensibilizar e mobilizar a opinião pública e os constituintes: a chamada Comissão Nacional “Criança e Constituinte”, que articulou o envolvimento dos órgãos do setor público federal, do Unicef, o Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação de Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)11. A lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – teve a função de regulamentar o texto Constitucional, fazendo surgir assim a Doutrina da Proteção Integral dos Direitos de Crianças e Adolescentes.


Em 13 de Julho de 1990, é aprovada a Lei 8069/9012 - o Estatuto da Criança e do Adolescente – que entra em vigor no dia 12/10/1990. Neste mesmo ano, foi realizada “A Cúpula Mundial pela Infância” na cidade de Nova Iorque, nos dias 29 e 30 de setembro, reunindo chefes de Estado e de governo de 71 nações incluindo o Brasil. De lá para cá a discussão sobre os Direitos da criança e do adolescente ganhou mais força e adeptos em todo o mundo. Na I Reunião de Cúpula de Governadores pela Criança – organizada pelo UNICEF em 1992 foi assinado o Pacto pela Infância e anualmente ocorrem eventos nacionais e internacionais apoiados pela CNBB, UNICEF, Nações Unidas e tantos outros órgãos e entidades envolvidos com a causa.


O ECA trouxe uma importante mudança de paradigmas, pois a criança e o adolescente não estão (ou pelo menos não deveriam estar) mais na dependência do Estado assistencialista, já que seus Direitos podem ser legalmente exigidos. No entanto, apesar de ser uma legislação vanguardista, não tem conseguido por si só, assegurar a melhora na qualidade de vida de crianças e adolescentes que ainda estão expostos e vulneráveis a situações de fome e violência por falta de políticas públicas eficientes. Com a pandemia, esse cenário se tornou ainda mais grave. Um relatório da Unicef13 demonstrou como as crianças e adolescentes foram impactados pela diminuição de renda das famílias, como aumentou o número de pessoas que não conseguem se alimentar porque a comida acabou e não têm dinheiro para comprar mais; como menos estudantes tiveram acesso às atividades escolares devendo se levar em conta também aqueles estudantes que tinham na merenda escolar a sua principal alimentação do dia.


O agravamento dos problemas pela Pandemia da Covid-19 apresentou um cenário onde crianças e adolescentes ficaram mais expostos à agressões físicas e à violência sexual. Segundo dados da Childhood Brasil13, crianças e adolescentes são o quarto grupo com maior incidência de denúncias que ocorreram em razão do período de maior isolamento social. De acordo com dados da UNICEF as taxas de abuso e exploração de crianças e adolescentes cresceram durante emergências de saúde públicas anteriores e cita como exemplo o surto do Ebola na África em 2014 e 2016. A Fundação Childhood publicou inclusive uma cartilha com dicas, mas é preciso que ocorra um trabalho constante de conscientização e investimentos.


O Brasil, nos últimos tempos, teve retrocessos em muitos aspectos atingindo, consequentemente, crianças e adolescentes. Em razão disso, apesar do avanço legislativo que é o ECA, há a necessidade de se efetivar a garantia de Direitos já assegurados pela Constituição e implementados pela Lei 8069/90. Investir em crianças e adolescentes é dar a eles e ao país oportunidade de futuro, garantindo acesso à educação, à saúde, à alimentação saudável, à moradia e ainda a proteção ao Direito à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Não é favor do Estado, é cumprimento da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.


Referências:



1https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2019-05/save-the-children.html


2ad.bauru.sp.gov.br/efront/www/content/lessons/90/Breve%20história%20dos%20direitos%20da%20criança%20e%20adolescente%20no%20Brasil.pdf


3https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/14406/14406.PDFXXvmi..


4https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-17943-a-12-outubro-1927-501820-norma-pe.html


5https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos


6https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3799-5-novembro-1941-413971-publicacaooriginal-1-pe.html


7http://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/servico-de-assistencia-a-menores-1941-1964


8https://legis.senado.leg.br/norma/546365/publicacao/15790011


9https://www.pastoraldacrianca.org.br/resgate-historico-da-pastoral-da-crianca


10https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/arquivos/rita-camata-costa-rica.pdf


11https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/outras-publicacoes/volume-v-constituicao-de-1988-o-brasil-20-anos-depois.-os-cidadaos-na-carta-cidada/idoso-pessoa-com-deficiencia-crianca-e-adolescente-criancas-e-adolescentes-a-constituicao-de-novos-sujeitos-de-direitos


12http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm


13https://www.childhood.org.br/covid


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