Proibido pisar a grama
Proibido pisar a grama.
Por Sidney Jorge
Há um tempo, havia um jardim que era muito bem cuidado pelo jardineiro. Viam-se arbustos, flores e um espaço muito bonito coberto por um gramado perfeito. Era prazeroso olhar aquele cenário tão bem cuidado, devido à umidade dosada pelo jardineiro. Um conjunto natural divinamente distribuído.
Um dia, algumas pessoas foram morar próximo ao jardim. Primeiro virou comentário e objeto de contemplação. Era uma grande dádiva morar ali. E outros chegaram, construíram, levaram empregados. O cenário foi modificando-se, e o jardim estava lá, bem no meio, entre as casas, pequenos comércios em fase de instalação, escola e outras edificações.
O que não se esperava era o início de um sacrilégio. O centro do jardim ficou entre as construções, e algumas pessoas começaram a passar por sobre a grama para resolver situações do outro lado. Comprar alguma coisa, levar o filho à escola, passear com o cão, quase tudo era motivo para atravessar o gramado. Apareceu uma marca de terra por onde os pés transitavam. O jardineiro ficou triste, reclamava muito, tentava sensibilizar o povo. Dizia que não se devia fazer isso com a grama, pois havia outros lugares para passar. Mas ele recebia como resposta ofensas e argumentos práticos: “Será que o senhor não percebe que é mais sensato passar por aqui?” “Nos dias de hoje, não se pode perder tempo, e contornar o jardim seria uma grande perda de tempo. Temos tantos afazeres.” “Por que se preocupar tanto com esse mato?”. Assim, o gramado perdia o vigor, e, cada vez mais, o espaço de terra aumentava.
De tanto o jardineiro falar, algumas pessoas tiveram uma ideia: “Vamos fazer uma passarela de concreto, então poderemos passar sem pisar a grama. Além do mais está muito feio. Temos de olhar todos os dias essa marca horrível que ficou. O concreto disfarçará o traço que fizemos”. Recorrendo aos meios legais e constitucionais, assim o fizeram e, no meio do jardim, ficou uma estrada de concreto. As pessoas caminhavam por ela. Agora, sim, todos pisavam em cima e, pelo menos, não se via o caminho de terra que se formou no jardim. O jardineiro não se convencia. “Bonito era do jeito de antes”, insistia ele em falar com as pessoas. Ele teve uma ideia. Quem sabe a lei que amparou o caminho de concreto ampararia essa ideia também? E, visitando pessoas, iniciou um processo de mobilização, propondo o estabelecimento de uma placa com os dizeres “PROIBIDO PISAR A GRAMA”, resguardada por lei. Dessa forma tirar-se-ia o concreto, voltaria o gramado e, além das sanções legais, um grupo de pessoas seria o guardião dessa placa. Quem pisasse a grama responderia por isso.
O jardineiro conseguiu. Acreditou na beleza conjunta do jardim, e um pequeno número de pessoas aderiu à proposta. Depois de muito trabalho, conseguiu convencer as autoridades a, em seguida, tirar o concreto, replantar o gramado e, finalmente, colocar a placa.
No início, não foi fácil. Uma ou outra pessoa insistia que o concreto era melhor. Uns poucos, por força do miserável hábito, botavam os pés na grama e começavam a caminhar. Entretanto, logo apareciam os guardiões e posicionavam-se a favor do jardim.
Anos se passaram. A cada momento, ampliava-se o conhecimento da placa. As pessoas deixaram de pisar a grama. E a novidade é que algumas começaram a cuidar também do jardim. E, num belo dia, o jardineiro reuniu os guardiões e mais um tanto de pessoas e ouviu muitas falarem da beleza não só do jardim como também das pessoas mais solidárias, mais gentis, mais zelosas, mais sensíveis. Perceberam que podiam até mesmo ajudar a cuidar dos jardins dos outros e não somente do jardim particular.
O jardineiro fez um gesto ousado. Era o momento. À tarde, quando todos estavam em suas casas, ele tirou a placa. No outro dia, observou-se que, mesmo sem ela, ninguém pisava a grama. Notou-se também que muitos não se deram conta da ausência do aviso.
O jardim estava salvo (no seu DIREITO de não ser pisado).