Campo do Oriente, um sonho antigo
Campo do Oriente um sonho antigo
Um sonho antigo sempre pairou sobre um lugar que é referência nas memórias de muitas pessoas. É o Campo do Oriente, localizado no Bairro Santa Efigênia, na cidade de Barbacena. Na infância, há uns 50 anos, o Bairro era chamado de Alto da Assistência, uma alusão ao hospital que prestava “assistência” às pessoas com deficiência mental, ou não. (ver documentários e livros sobre o assunto)*. A FHEMIG (Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais) era proprietária de uma grande área em torno do Hospital que incluía o referido Campo. Apenas para se ter uma ideia, atualmente, existem dois bairros que nasceram nesse terreno: Novo Horizonte e Santa Luzia, inclusive, o Novo Horizonte divide o Campo com o Santa Efigênia.
O nome do bairro veio como inspiração das bandas de Congado que movimentavam o Alto do Cruzeiro aos domingos. Havia lá uma grande cruz de madeira se destacando na praça no cume do bairro, hoje, ocupada por uma igreja de formato peculiar e destacada por uma alta cruz de concreto a fazer referência à antiga. Provida de iluminação interior, pode ser vista em vários pontos da cidade. O nome da igreja? Santa Efigênia.
Dois eventos eram marcantes aos moradores do local: as bandas de Congado, que dançavame pulavam sob os repiques dos tambores artesanais no espaço de terra da praça, e as disputas de futebol no Campo do Oriente aos domingos.
Parecia dia de festa. Praticamente todas as ruas ofereciam algum propenso jogador aos times de futebol. Desfilavam com as chuteiras (ou kichutes) lançadas ao ombro rumo ao palco das partidas. O campo de terra, precisamente de cascalho, deixava suas marcas em quem tivesse o infortúnio de cair naquele chão. Senhores com seus chapéus ou bonés rodeavam a beirada do campo. Havia senhoras também. Companheiras dos jogadores procuravam fazer presença. Tinha dia em que o juiz era de fora e parecia juiz mesmo, outras vezes era alguém dos outros times que esperavam a vez de entrar em campo. Não faltava a caixinha de isopor com picolés e “chupchup” produzidos à base de sucos em pó da época. Gritar com o juiz ou jogadores era normal. Chegar perto do “técnico” e pedir para tirar fulano e colocar ciclano também era normal. Sair com alguma lesão não era normal, mas acontecia. O fato era que o Campo permanecia cheio, muito cheio o dia inteiro, todos os domingos.
Durante a semana, o campo oferecia seu espaço para crianças, jovens, mães e pais que levavam seus filhos ou filhas para brincar com uma pipa ou correr, enquanto outros, sem dúvida alguma, apreciavam as atividades com bola. “Tira-tira”, “rebatida”, eram brincadeiras rotineiras para quem frequentava o espaço de segunda a domingo. No sábado, tinha a “pelada”, gigante, plena, uma espécie de confraternização de todos os times. Não havia rivalidade, mas sim uma mistura, dividida em dois grupos: os que usavam camisa e os que não usavam, escolhidos previamente e de acordo com um sorteio par ou ímpar. Quem chegava depois bastava ir para o lado que faltava alguém. Se chegavam dois, um lado para cada um. Simples assim. Sem juiz, mas com falta, reconhecida pelo nível da pegada. O “apito final” ocorria quando os olhos já não reconheciam o caminho da bola e nem ela, devido à chegada da noite. Lembrando do famoso “buracão”, ladrão de inúmeras bolas, pode ser que ainda se encontre alguma por lá. Era uma aventura descê-lo em um arriscado rapel sem cordas e depois escalá-lo, trazendo a esperada protagonista para o reinício da partida. O campo era uma espécie de extensão do quintal da meninada.
Mas sempre houve um sonho: ver aquele terreno gramado, cercado, iluminado. O tempo passou e um dia alguém tomou a iniciativa de gramar e cercar. Depois veio a iluminação. Tanto a grama, quanto a cerca, acabaram e a arena das partidas do Guarani, do Santa Efigênia e do Oriente ficou adormecida, depredada, solitária. Com pendências na documentação e impostos. Bem utilizado pela escola de futebol, mas mal utilizado por veículos e outros tipos de frequência que não condizia com sua razão de ser: levar vida esportiva a comunidade. Sobretudo, alegria.
Quem presenciou e sabe do significado histórico do campo compreende a profundidade desse sonho. Um sonho antigo e possível de ver a grama sendo distribuída após a merecida terraplenagem e isolamento do local. Ver a documentação e os impostos resolvidos, ver um espaço por fora da cerca para caminhadas, corridas e treinamentos, deixando o campo como palco sagrado reservado aos treinos futebolísticos, jogos e outros eventos afins. Ver o Campo do Oriente renascendo como a ave mitológica Fênix que deixa as cinzas para um novo voo, símbolo de esperança, compartilhado com os moradores do Bairro Santa Efigênia, Novo Horizonte e tantos outros que entendem esta realização.
Como é e como será? Não sabemos. Mas uma coisa, sabemos, depende. Depende de mim, de você, de nós. Depende de nosso olhar, de nossa observação. Se o pássaro escondido nas mãos, diante do sábio, voará ou perecerá, depende da atitude de cada pessoa. Desejo que este olhar seja acompanhado de uma atitude de como pode melhorar. O sonho antigo está realizado. Aperfeiçoamentos sempre são necessários e possíveis. O cuidado é uma forma de manter as instituições saudáveis. O diálogo é importante para se criar um projeto comum. Convidamos os arredores para olhar o Campo do Oriente, inspirados na imagem da Fênix, com esperança, com alegria de que dias melhores virão e já estão aí. Olhá-lo com a dinâmica do cuidado, da conservação. Que as crianças de hoje possam contar boas histórias de suas experiências naquele lugar que alegrou, alegra e alegrará gerações.
*Daniela arbex. Holocausto Brasileiro. Netflix, 2016. acesso em 20/02/2025
Fotos: Geraldo Mendes Netflix. 2016