Os “direitos” do(a) amante.

Cláudia Chaves Martins Jorge • 22 de dezembro de 2020

Por Cláudia Chaves Martins Jorge*


O conceito de “família” sofreu alterações ao longo da história. O papel de mulheres e homens também se modificou, mas outras tantas mudanças ainda precisam ocorrer para que, de fato, se possa falar em igualdade de direitos e obrigações entre mulheres e homens garantida pela Constituição Federal1 no artigo 5º, I.


Ainda sob a vigência do Código Civil de 19162, a família conservava os “valores tradicionais” da sociedade da época. O homem era o “chefe” de família e a mulher, ao se casar, era obrigada a adquirir o sobrenome do marido. O casamento era indissolúvel e somente através dele se legitimava a família. Os filhos havidos fora do casamento eram considerados “ilegítimos”, e o Código Civil da época, no artigo 358, proibia que eles fossem reconhecidos, mas este artigo sofreu alteração em 1949, permitindo o reconhecimento destes filhos em caso de dissolução da sociedade conjugal dando direito a eles de pleitear alimentos.


Um grande avanço legislativo em 1962 foi o “Estatuto da Mulher Casada3”, que devolveu à mulher o direito de poder trabalhar, receber herança e pleitear a guarda dos filhos em caso de separação do marido. O “desquite” colocava fim ao patrimônio, mas não ao casamento, ou seja, tanto a mulher quanto o homem não podiam se casar novamente. Mas o peso de ser “desquitada” era muito maior para as mulheres e seus filhos.


O Divórcio veio através da Lei 65154 em 1977 e hoje é regulamentado pelo atual Código Civil no artigo 15715. O Divórcio coloca fim à sociedade conjugal, ou seja, o estado de casado só termina, legalmente, pela morte de uma das partes ou pelo divórcio. A Separação Judicial, põe fim ao regime patrimonial entre o casal, mas não ao casamento. Muitos casais que se encontram separados judicialmente, precisarão ajuizar uma ação judicial para converterem a separação em divórcio. Poderão ainda fazer o divórcio pelo Cartório, de acordo com a Lei 11.441/20076, caso não tenham nenhum impedimento legal para isso, ou seja, o casal tem que estar de acordo com o divórcio e com a partilha de bens, caso tenham patrimônio a dividir, e não poderão ter filhos menores de idade ou incapazes.


A Constituição Federal de 1988, dedicou o capítulo VII à família e a define no artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. A legislação vigente no país reconhece, além do casamento, também a União Estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Além de também ser considerada entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (mãe e filhos/ pai e filhos, avós e netos). Mas a legislação ainda traz um certo “conservadorismo”, em não regulamentar, expressamente, o casamento e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão essa que ficou decidida pelo julgamento do REspecial 1183378 RS 2010/0036663-87 que reconheceu este direito também aos casais homoafetivos.


Porém, é preciso ficar claro que é garantido o reconhecimento legal como entidade familiar do Casamento ou da União Estável entre casais homo ou heteroafetivos, mas a legislação brasileira não permite a bigamia (contrair novas núpcias quando ainda casado) considerando-a “Crime contra o casamento”, conforme previsto no Código Penal8 artigo 235. No entanto, é preciso entender a diferença entre ser companheiro(a) dentro da União Estável e ser amante. A União Estável tem amparo legal no Código Civil no artigo 1723 e seguintes, neste caso, a lei a protege como entidade familiar, dando aos conviventes direitos e deveres como se casados fossem, mas a lei também deixa claro os casos de impedimentos legais para o seu reconhecimento, que são os mesmos para o casamento, previstos no artigo 1521 do Código Civil:


“Art. 1.521. Não podem casar:

I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II – os afins em linha reta;

III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V – o adotado com o filho do adotante;

VI – as pessoas casadas;

VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”


A pessoa que vive uma União Estável pode colocar a outra como dependente do plano de saúde, poderá receber a pensão em caso de morte do companheiro(a) e, juntas, poderão construir um patrimônio já que são herdeiras legítimas ou testamentárias umas das outras nos termos do artigo 1790 do Código Civil, pelo patrimônio adquirido onerosamente na vigência da união estável. Porém, e quando uma pessoa é casada ou vive uma união estável e passa a ter um relacionamento extraconjugal? Esta terceira pessoa terá algum direito? Há situações que em os amantes têm até um lugar em comum para se encontrarem, costumam viajar juntos e se relacionam por longos anos, mas isto não garante ao (a) amante o direito a partilha de bens ou a pensão alimentícia em caso de “separação” ou “morte”.


Nem mesmo a doação de bens a amantes é permitida, às vezes, é feita uma simulação de compra e venda para se transferir um imóvel ao(a) amante, mas este negócio jurídico é considerado nulo nos termos do artigo 166 do Código Civil. No entanto, diferente é o caso dos filhos fora do casamento, o direito deles está assegurado e terão direito à herança e à pensão alimentícia, podendo pleitear o seu reconhecimento através de um processo, caso este reconhecimento não tenha sido voluntário.


É entendimento do STF9 ao julgar o RE 1045273, originário do estado de Recife, que não cabe o reconhecimento de uma união estável e uma relação homoafetiva concomitantes. “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. Plenário, Sessão Virtual de 11.12.2020 a 18.12.2020. Este julgamento teve a finalidade de não dividir o valor da pensão previdenciária entre a convivente e seu companheiro falecido e o amante dele homoafetivo, já que a convivência pela união estável durou até a morte. O artigo 1566 estabelece os deveres entre os cônjuges e, dentre eles, está a fidelidade recíproca. 


Esta afirmativa de não reconhecimento de “duas uniões” concomitantes, deve levar em conta a situação de fato. Pode ser que uma das partes esteja de boa-fé e não tenha ciência de que a outra já possua uma união estável constituída ou seja casada. Ocorre que as pessoas, em um primeiro momento, não regularizam esta união, começam a conviver e somente percebem esta necessidade quando se separam ou em caso de morte. Para evitar ser pego de surpresa, é importante a regularização da União Estável, para isso, as pessoas interessadas devem ir a um Cartório de Notas para fazer a escritura pública de união estável, independentemente de ser hetero ou homoafetiva.


De posse dos documentos pessoais RG e CPF (originais), comprovante de endereço, certidão de casamento (se casado, separado, divorciado ou viúvo) ou nascimento (se solteiro) atualizada até 90 dias, os conviventes informarão sobre a data de início da relação, sendo que a lei não exige prazo mínimo de convivência para se caracterizar a união estável e indicarão o regime de bens que irão adotar. É neste momento que será verificada a existência de algum impedimento legal. Também é possível fazer um contrato particular de união estável, para que produza efeitos legais, deve-se reconhecer firma das partes e das testemunhas e levar a registro no Cartório de Títulos e Documentos, lembrando que este meio também não valida a união em caso de impedimento legal.


Caso não dê certo e as pessoas optem por se separar, precisam fazer a Dissolução da União Estável, caso estejam de acordo, inclusive quanto à partilha de bens, e não tenham filhos menores ou incapazes, poderão fazer isso via cartório, mas caso divirjam sobre qualquer ponto, será necessário fazê-la judicialmente. O mesmo vale para os que são casados legalmente, as pessoas simplesmente saem de casa e não tomam as providências para regularizar a situação. O tempo de separação não é suficiente para colocar fim ao casamento, que se dissolve apenas pelo divórcio ou pela morte.


Muitas das vezes, as pessoas se preparam para a festa que darão para comemorarem a união do casal, mas é muito importante que pensem também nas questões legais que envolvem o casamento e a união estável, enquanto um é o “bem” do outro e têm uma convivência pautada pelo amor e companheirismo, para evitar que, no futuro, já desgastados e com os ânimos exaltados, tenham uma demanda judicial por conta dos bens.


Referências:


1http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

2http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm

3https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=4121&ano=1962&ato=d0fMzY61kMVRVTdd6

4http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6515.htm#:~:text=Art%201%C2%BA%20%2D%20A%20separa%C3%A7%C3%A3o%20judicial,forma%20que%20esta%20Lei%20regula.&text=Il%20%2D%20pela%20nulidade%20ou%20anula%C3%A7%C3%A3o,IV%20%2D%20pelo%20div%C3%B3rcio.

5http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

6http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm#:~:text=Lei%20n%C2%BA%2011.441&text=Altera%20dispositivos%20da%20Lei%20n,div%C3%B3rcio%20consensual%20por%20via%20administrativa.

7https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-especial-resp-1183378-rs-2010-0036663-8-stj/inteiro-teor-21285515

8http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

9http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5181220&numeroProcesso=1045273&classeProcesso=RE&numeroTema=529


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