Educação, escola e sistema de ensino: uma discussão necessária.
O sentar e aprender, através dos ensinamentos do professor e dos livros didáticos nos bancos escolares, tem se tornado desafiador diante do grande número de concorrentes: os áudios books, os vídeos, o celular, o videogame, o computador, o tablet... Essa afirmativa, de forma alguma, é uma crítica à tecnologia e a tudo o que ela oferece. No entanto, o maior desafio está em como prender a atenção do aluno que, inserido no mundo digital, se vê em um ambiente de sala de aula, sentado em carteiras enfileiradas, com aulas que duram 50 minutos, olhando para o quadro branco ou ainda de giz, por quatro horas ou mais, com a finalidade de aprender o conteúdo programático do ano. O momento de distração é o intervalo, com duração de 20 minutos, na maioria das escolas, tempo em que o aluno usa para merendar, ir ao banheiro, tomar água e interagir.
Para os alunos do novo ensino médio o desafio é ainda maior, porque muitas escolas não têm estrutura física para recebê-los no contraturno, já que no mesmo prédio, à tarde, funciona o ensino fundamental e a educação infantil. Ou seja, a alternativa encontrada foi incluir um sexto horário. Mas a falta de investimentos para o novo ensino médio, principalmente nas escolas públicas, fez com que cada escola se reinventasse para atender a um modelo que não olhou a real necessidade do aluno. No papel, o denominado “itinerário formativo” prometia dar maior protagonismo ao aluno. No entanto, ao contrário disso, aumentou o abismo entre as escolas públicas e particulares, herança do período de pandemia quando as escolas fecharam e os alunos tiveram que estudar em casa, pelo menos, aqueles que tinham acesso à internet, porque muitos, infelizmente, não tiveram.
Ainda hoje, a escola, mesmo aquelas mais modernas, obedecem ao tradicional modelo em que o professor, à frente, explica a matéria para a turma no delimitado espaço da sala de aula, e ainda tem a árdua missão de estar atento aos alunos. Considera-se indisciplina tudo aquilo que foge aos padrões estabelecidos pelo regimento da escola, como, por exemplo: usar boné em sala de aula, ir para a escola sem o uniforme, usar um agasalho de frio que não é o do uniforme, usar blusa de capuz em sala de aula, não fazer a tarefa, não portar o material escolar ... porém, o grave da indisciplina está intrinsecamente ligado ao comportamento do aluno em sala de aula e no ambiente escolar.
O aumento dos casos de violência contra alunos e professores cresceu enormemente. Segundo dados do G1¹ de 27/03/2023, em São Paulo, por exemplo, 28% dos diretores de escolas brasileiras relataram já ter presenciado situações de bullying e intimidação entre os alunos, e 54% dos professores disseram já ter sofrido pessoalmente algum tipo de violência. Aí cabe a pergunta: o que está havendo? Pois, a cada momento, novos problemas surgem no ambiente escolar a exemplo do desinteresse pelo conteúdo lecionado, até casos extremos de violência contra alunos e professores, com isso, o processo ensino/aprendizado vai se tornando cada vez mais deficitário.
O que prende a atenção do aluno? Por que ele consegue ficar horas ao celular assistindo a vídeos ou simplesmente olhando o Instagram e não consegue permanecer em sala durante 50 minutos, que é o tempo de uma hora-aula? Ao chegar nesse ponto é preciso fazer uma pausa e ver o que está acontecendo com o sistema educacional, mas já é possível afirmar que o sistema repressivo não tem dado certo, pois não foi capaz de inibir os atos com menor ou maior grau de violência no ambiente escolar, nem conseguiu fazer com que os alunos aprendessem, satisfatoriamente, todo o conteúdo lecionado.
A própria estrutura física das escolas merece ser repensada, as salas de aula deveriam ser mais interativas, as disposições das carteiras sinalizam a obediência, porque os alunos ficam assentados um atrás do outro, sair dessa fila é tido como indisciplina. O tradicional sino que toca para início, fim e troca de horários também deve ser repensado, o barulho é estridente, parece uma sirene de fábrica ou um toque de recolher… são detalhes que acabam deixando a escola com um ambiente tenso ao invés de prazeroso. Ao ouvir o toque do sino, tanto alunos quanto os professores parecem ir para uma tortura, e a aula não deveria ter esse peso. Adquirir conhecimento deve, ou pelo menos, deveria ser motivador.....
O pesquisador Daniel T. Willingham², em seu livro: “por que os alunos não gostam da escola?” procura responder a esse questionamento dizendo que o aprendizado precisa ser uma experiência motivante. O autor ainda questiona o porquê dos alunos lembrarem detalhadamente de seus programas favoritos e parecerem desligados em sala de aula. Essa situação não é nova, há anos quem trabalha em escola detecta essa dura realidade, mas agora, o mundo e as pessoas passaram por mudanças profundas e o modelo tradicional de ensino não alcança o aluno, porque ele não se sente parte integrante desse processo, mas apenas um observador de algo que ele nem sabe a finalidade do que está aprendendo. O professor, por sua vez, sente-se extremamente frustrado, porque ele ensina para a porta, para a janela, para a carteira, para a parede, para o quadro… menos para o aluno. Todos os objetos inanimados estão presentes, mas o aluno parece estar em outra dimensão.
Uma pesquisa da BBC News³, datada de 2020, mostrou que pela primeira vez, a geração atual tem um QI menor que seus antecessores. Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França e autor da pesquisa divulgada pela BBC, não apresenta uma única resposta para isso e nem coloca a culpa integralmente na revolução tecnológica. No entanto, o autor chama atenção para uma pesquisa feita com crianças que estudaram uma lista de palavras na aula, na manhã seguinte, um grupo de crianças que não jogaram lembraram 80% das palavras aprendidas e as que jogaram, lembraram 50%. Mas, como o próprio autor da pesquisa disse, esse estudo não é ainda conclusivo.
Quando a base de estudos é deficitária, com certeza haverá impactos inclusive na escolha da profissão que irá seguir, e a formação em um curso superior de excelência, torna-se distante para muitos. Inegavelmente, o mercado de trabalho está cada vez mais exigente, uma olhada rápida pelos editais de concursos públicos, demonstra o quanto se exige de conhecimento, e, em muitos casos, o salário nem condiz com tanta exigência. Mas, como tornar os alunos mais qualificados? Antes de adentrar nesse assunto, vale conhecer o sistema educativo da Finlândia, país que se destaca por um dos melhores sistemas educacionais do mundo.
Pela sexta vez consecutiva, a Finlândia foi considerada o país mais feliz do mundo, conforme o Relatório Global sobre felicidade3. Mas o que faz desse país referência em educação? Lá, a educação é coisa séria, há investimentos no conhecimento e preparo dos professores. A escola é obrigatória e gratuita a partir dos 7 anos, os alunos têm de uma a duas horas de atividades físicas todos os dias, há um investimento na autonomia do aluno, curiosamente, praticamente não há atividade ou tarefa para ser feita em casa e também não há testes ou provas, pois o investimento é no aprendizado do aluno4. Qual o segredo? Jaana Palojärvi, diretora do Ministério da Educação e Cultura da Finlândia5 afirma que “... não tem nada a ver com métodos pedagógicos revolucionários, uso da tecnologia em sala de aula ou exames gigantescos como Enem ou Enade. Pelo contrário: a Finlândia dispensa as provas nacionais e aposta na valorização do professor e na liberdade para trabalhar.”
Claro que a população do Brasil é bem maior que a da Finlândia e os problemas por aqui também, mas pensar um investimento sério em educação é, de fato, valorizar as pessoas. Alguns outros países já comprovaram isso, em 2018, um relatório do Banco Mundial6 apontou que a educação em Cuba é a melhor da América Latina. Outro exemplo a ser citado é a Coreia do Sul, que, arrasada pela segunda guerra e pela guerra entre as coreias, passou a investir na educação básica até tornar-se um país excelência em educação. O que estes países têm feito é algo tão extraordinário que impossibilita ser aplicado por aqui?
No Brasil, a progressão continuada veio sanar o problema de repetir o ano escolar inteiro, mesmo que não se tenha obtido aprovação em apenas uma matéria. No entanto, diminuição nos índices de reprovação não melhorou o resultado aprendizado. A pesquisa do IMD World Competitiveness Center, divulgada em 2021 pela CNN Brasil7, mostra que o Brasil teve a pior avaliação dentre as nações avaliadas, quando se trata de investimentos públicos na educação. Ou seja, é possível reverter esse quadro com pequenas ações: investimento em merenda de qualidade, na formação de professores com a consequente valorização salarial, melhora do ambiente escolar investindo na independência do aluno e dando a ele um conteúdo formativo que o permita caminhar no aprendizado e na pesquisa, incentivo ao trabalho multidisciplinar para o aluno estabelecer conexões entre os conteúdos programáticos, restauração e modernização dos prédios que estão com aspectos de abandono e muito estragados, substituição das carteiras escolares e um programa para melhorar a consciência do cuidado, enfim, há muito a ser feito para que, de fato, se consiga ampliar a capacidade de apreensão do saber. Despertar a vontade política de fomentação de projetos de ensino/aprendizagem é a melhor maneira de investir na população.
REFERÊNCIAS:
¹https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/03/27/brasil-tem-historico-de-alto-indice-de-violencia-escolar-veja-dados-sobre-agressao-contra-professores.ghtml
²https://www.bbc.com/portuguese/geral-54736513
³https://worldhappiness.report/
4https://transformando.com.vc/melhor-educacao-do-mundo-como-sao-as-escolas-na-finlandia/
5https://linearica.com.br/artigos/educacao/pais-com-a-melhor-educacao-do-mundo-finlandia-aposta-no-professor?pht=36191569953007629&gclid=Cj0KCQjw0tKiBhC6ARIsAAOXutl8VKb8c7mjJ_T5T4W01RDDUEFLUboqo5qJdgzQUNHEAIfhIDcHB20aAo9fEALw_wcB
6https://iela.ufsc.br/banco-mundial-sistema-educativo-cubano-e-o-melhor-da-america-latina/
7https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/educacao-brasileira-esta-em-ultimo-lugar-em-ranking-de-competitividade/