A função social do mercado imobiliário.
A função social do mercado imobiliário.
Por Sidney Jorge
Há tempo esse tema inquieta. A questão é: existe função social no mercado imobiliário? Deveria, mas estamos longe de contemplar real mobilização em favor de quem tenha menor poder aquisitivo para que realizem o tão falado “sonho de ter a casa própria”, ou melhor, o imóvel próprio.
Primeiro, a função social, a razão de ser de alguma coisa, normalmente define o projeto existencial dos objetos. Logo, a função é referência praticamente para tudo. Quando se pensa em função social de algo, preestabelece um vínculo de servidão à sociedade, nesse caso, reconhece-se a existência de uma demanda de caráter social, um benefício à sociedade e, por consequência, às pessoas. A sociedade é formada de pessoas, homens, mulheres, crianças e tudo o que contribui para a vida circunstancial delas, cultura, crenças, organização política e econômica. Ao olhar para a função social sabe-se que é pautada em trocas, pois a sociedade define-se também por benefícios mútuos. Por exemplo, a função social da conta de energia elétrica, há usufruto, pagamento, manutenção, benefícios inúmeros. Não há pretensão em desconsiderar aspectos de exploração presentes nessa relação, cabe uma reflexão. Outro exemplo, a função social correspondente às profissões do professor, do médico, do vendedor, do engenheiro, do construtor, do padeiro, dos comércios, do motorista, muitas abordagens qualificariam a função social das ocupações citadas acima. A função social não significa precisamente um negócio, mas há o caráter social imanente no negócio quando se identifica os impactos sociais nele.
Dessa forma, já é possível deduzir a função social explícita no mercado. Interessante visualizar as trocas de produtos e serviços que preconizaram o mercado antigo, os escambos, pré criação da moeda. O mercado tende a ser um conceito simples e, ao mesmo tempo, complexo separando as inúmeras espécies mercadológicas existentes no universo comercial, industrial, etc. Por outro lado, o mercado tem um aspecto um tanto quanto simples, se fixar na venda e compra de algo, serviços, coisas. Outra característica, do mercado é ter, por incrível que pareça, certa autonomia, a sensação de ter vida própria como se não dependesse da sociedade. Um engano destruidor. Apesar de parecer, não o é. Seria grande equívoco aceitar passivamente esse aspecto tenebroso do mercado, pois afeta drasticamente as pessoas. Mesmo quem é beneficiado monetariamente corre o risco de ser escravo do mercado seja ele qual for.
A função social que norteia esse tema se refere ao mercado imobiliário. Algo fundamental para qualquer ser humano, pessoa ou sociedade. O imóvel tem um papel ímpar. Trata-se de abrigo, proteção, sobrevivência, conforto, convivência e, outros. A questão é que o imóvel tornou-se mercado e o mercado tornou-se imóvel. Houve tempo que adquirir um imóvel significava o início de nova família “quem casa quer casa” diziam. Apesar dos negócios, havia também uma mística de novidade em torno da aquisição de um terreno para construir uma casa. Há muita demanda por imóveis ainda, e a verticalização é o principal interesse comprometendo parte da função social focando apenas na função capital do mercado imobiliário. Os apartamentos e as casas estão financeiramente inacessíveis para a maioria dos cidadãos. Conclui-se que o mercado imobiliário está a serviço de um mercado essencialmente excludente. Não precisava ser assim. Um número reduzido de pessoas têm acesso a uma negociação imobiliária e, mesmo assim, por terem recursos financeiros próprios sem dependerem de financiamentos.
A reflexão quer maldizer o mercado imobiliário? Não. O pensamento é para analisar a implementação de projetos includentes, possibilitando às pessoas adquirirem seus imóveis para morar estabelecendo, de fato, sua função social construindo imóveis com valores reais, sem especulação sórdida e infundada e, com qualidade. E quando visualiza-se um aspecto social para esse ambiente imobiliário, implanta-se um bairro de pequenas casas ou, condomínios verticais de baixíssimo custo, acessíveis a uma parte da população. Por um lado, representa a devolução da dignidade e abrigo, por outro, muitas famílias são realocadas para um espaço e depois, ficam sem acompanhamento e assessoria técnica necessárias para entenderem essa nova vida. Com o tempo o saneamento deixa a desejar, as ruas esburacadas refletem o desleixo do poder público com as famílias do local evidenciando a preferência por locais mais afortunados e ou centrais. Os prédios trazem a novidade da vida em condomínio requerendo uma rápida adaptação ou a degradação física e, infelizmente, social dos moradores (condôminos) através de conflitos diversos nas relações e problemas até mesmo de ordem policial. Outra característica trazida pelos condomínios e bairros populares é o aumento do número da população no local, afetando escolas, postos de saúde, igrejas e comércios da região. Essa adaptação leva um tempo, tanto para as pessoas que vão para o novo bairro ou local, como também para as que já estavam nos bairros adjacentes há mais tempo.
Isso ocorre devido a visão excludente da sociedade. A demanda da moradia acumulada e represada torna-se um problema social de grandes proporções. E a solução: criar prédios e bairros populares de baixo custo para remediar a ferida. Em muitas situações, nem isso é feito.
Como deveria ser?
Pesquisar e cadastrar as famílias e pessoas de maneira realista e sensata para ter a objetividade necessária.
Treinamento, formação, informação e visão para oferecer o mínimo de percepção da nova realidade a ser experimentada.
Organizar dinâmicas para despertar e apontar lideranças.
Preparar as escolas e postos de saúde e outros serviços para acolher a nova população. Ou, dependendo da situação, o que seria mais oportuno é construir e implementar ambientes, estruturas e infraestruturas para atender os locais onde serão construídas e oferecidas as moradias.
Incluir instrumentos de fiscalização, acompanhamento e orientação periódicas para as famílias e pessoas novas moradoras dos programas de habitação.
Os chamados condomínios de luxo e bairros de alto padrão seguem um caminho totalmente inverso ao quadro apresentado acima. Os Alphaville então em um lugar murado com todas as necessidades amparadas circundados por bancos, escolas, comércios, administração. Muita carência em um lado e muitíssima fartura de outro. O desafio para estabelecer uma possível função social de mercado imobiliário é alterar a balança, talvez, só um pouquinho.
Criação de oportunidades, com certeza, é um caminho. Ajudaria na compreensão de que há, de fato e de direito, uma função social nas várias relações presentes no mercado imobiliário. A segregação social pode ter um efeito inesperado, questão de tempo. Entretanto se há um acompanhamento e acolhimento tudo pode ser diferente e ajudará a sociedade a viver e conviver melhor reduzindo e, por que não, eliminando os conflitos entres os seres sociais tornando as cidades melhores de se viver.