A decisão do Ministro Fachin no caso Lula e uma discussão sobre a imparcialidade do juiz.
Por Cláudia Chaves Martins Jorge
Em Direito, a palavra “Competência” tem significado diverso do que ouvimos comumente por aí. Na linguagem popular, ser competente é ter habilidade para fazer alguma coisa, no Direito, é o critério legal que define os limites jurisdicionais de atuação de cada órgão do Poder Judiciário. No Direito Penal, essa competência está regulamentada no artigo 69 do Código de Processo Penal¹ e se divide em razão do lugar da ocorrência da infração penal, pelo domicílio ou residência do réu, pela natureza da infração, pela competência da distribuição, pela conexão ou continência, pela prevenção e pela prerrogativa de função.
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em uma decisão monocrática, declarou a incompetência territorial da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, da compra de um terreno para sede do instituto Lula e no caso das doações para o Instituto Lula2. Esta decisão, embora receba críticas de muitos lados, está legalmente correta. Nas palavras do Douto Jurista Lenio Streck “Fachin reconheceu hoje o que deveria ter sido reconhecido há 3 anos”. A questão da incompetência da Vara de Curitiba no julgamento das ações envolvendo o ex-Presidente Lula foi suscitada por vários juristas anteriormente, porém toda esta articulação, tinha fins políticos e o objetivo de impedir a candidatura de Lula nas eleições de 2018.
De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, artigo 76, a ampliação da competência de foro ou juízo pressupõe a existência de conexão entre as infrações, a fim de que haja uma unidade de processo e julgamento. Isto é uma questão jurídica e não política. Curitiba não é a sede da Petrobras e os supostos crimes atribuídos à Lula, teriam que ter conexão com os supostos “crimes” praticados por dirigentes da Petrobras para assim, justificar a ampliação da competência do então juiz Sérgio Moro no julgamento também das outras ações .
CPC – “Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”.
Por mais que existam pessoas contrárias ao ex-Presidente Lula, ele e qualquer outra pessoa, tem direito a um julgamento justo e a um juiz imparcial. Querer o ex-Presidente preso a qualquer custo e justificar as medidas processuais tomadas pela República de Curitiba – na pessoa do juiz da causa – é algo muito grave que compromete princípios basilares do Direito. O slogan do combate à corrupção se perdeu exatamente pela ilegalidade que permeou todo o julgamento, onde a figura do julgador se confundiu com a do acusador, o que foi comprovado pelas mensagens apreendidas na Operação Spoofing. Aliás, o que se viu foram condutas inadmissíveis, falas direcionando a postura do MP, inclusive quanto a produção e uso de provas. A situação de parcialidade chegou ao absurdo de proteger uma delegada que assinou um depoimento que sequer ocorreu.
Esta situação da Lava Jato faz lembrar um movimento da década de 20 a 40 intitulado Realismo Jurídico3 que tem como principal argumento o fato de os juízes primeiro decidirem e posteriormente buscarem, na norma, o fundamento de suas decisões, chegando ao extremo, como defendido por Jerome Frank, de colocar um alto grau de pessoalidade nas decisões, expressa pela famosa frase, que o julgamento depende daquilo que os juízes comeram no café da manhã. A operação Lava Jato, sob o comando da República de Curitiba, atuou no paradoxo do arqueiro – primeiro atirou a flecha e depois desenhou o alvo.
Uma coisa deve ficar clara: a lei não pode ser usada para perseguir quem quer que seja. As funções do Juiz, do Ministério Público e da defesa devem estar bem claras dentro do processo legal. O Brasil está sob a égide de um Sistema Democrático de Direito, fundamentado na Constituição Federal e não em um ato institucional. As normas legais e as instituições existem para coibir que abusos de poder sejam cometidos, independentemente de quem seja o julgador ou o julgado.
Referências:
¹ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm
²https://www.conjur.com.br/dl/fachin-incompetencia-curitiba-lula.pdf (AP 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Ação penal no caso do Tríplex do Guarujá) – AP 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Ação penal no caso do Sítio de Atibaia) – APS 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (Ação penal no caso do terreno para construção da sede do Instituto Lula) – AP 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (Ação penal no caso de doações ao Instituto Lula)
³https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:rede.virtual.bibliotecas:livro:2012;000973240