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Patriotismo Constitucional, Cultura e História

Gisele Cittadino • fev. 14, 2022

Gisele Cittadino



Doutora em Ciência Política e Professora Associada da PUC-RIO

Patriotismo Constitucional, Cultura e História

 


Não há modernidade sem a ideia de uma razão ilustrada cuja força emancipatória seja capaz de liberar a humanidade das múltiplas formas de dominação. Não é difícil, portanto, entender como a máquina de extermínio organizada pelos nazistas durante a segunda guerra tenha levado a primeira geração da Escola de Frankfurt a reconhecer que “a modernidade, a imagem dialética do progresso, culmina numa explosão.”[1]

 

Se o terror do Holocausto não impediu que os primeiros frankfurtianos abandonassem seu compromisso com o poder transformador da reflexão, o mesmo não se pode dizer sobre sua confiança no devir do processo histórico. Em outras palavras, a ideia moderna – e progressista – da história como marcha triunfal da civilização se esvazia inteiramente diante da barbárie dos campos de extermínio e de sua brutal violência institucional. Como não há qualquer possibilidade de reintegrar o Holocausto no movimento da história precisamente porque nada pode justificá-lo historicamente, estamos diante de uma idéia de ruptura que não apenas remete ao fracasso moderno, mas também – e fundamentalmente – à ideia de uma história cuja faticidade pode ser irracional.[2]

 

De outra parte, além de propor uma releitura da dinâmica histórica, a Escola de Frankfurt, diante da barbárie nazista, propõe uma forte crítica à cultura de massas especialmente depois das lamentáveis e devastadoras imagens do povo alemão inteiramente seduzido por seu Führer. Com essa crítica, acaba a confiança na possibilidade de uma ação libertadora por parte de algum sujeito coletivo, ainda que isso não signifique paralisia ou mera contemplação, pois o compromisso frankfurtiano com a emancipação desloca-se agora para a esfera das consciências individuais. Quando Adorno define aquilo que designa como um “novo imperativo categórico”, ou seja, a necessidade de que “Auschwitz não se repita”,[3] a idéia de emancipação transfere-se de um sujeito coletivo da razão histórica para uma razão subjetiva individual. Todos – e cada um – são capazes de refletir criticamente sobre a capacidade humana de manipular e criar significações e realidades.

 

É precisamente contra essa confiança na subjetividade individual que Habermas propõe o seu paradigma da comunicação intersubjetiva. Ao afirmar que o “conteúdo normativo da modernidade só pode ser decifrado através de uma leitura intersubjetiva”,[4] Habermas pretende, de um lado, superar as “interpretações negativas que ficaram presas ao horror das imagens”,[5] mas também resgatar a esperança no projeto moderno e na força emancipatória da razão, agora intersubjetiva. Se os primeiros integrantes da Escola de Frankfurt foram obrigados a reconhecer a existência de uma dimensão perversa da modernidade (e o Holocausto foi, sem dúvida, um fenômeno moderno, na medida em que uma racionalidade instrumental está na origem da organização burocrática de sua máquina de extermínio), Habermas acredita na possibilidade de aprender com os erros do passado. Em outras palavras, ainda que a modernidade tenha sucumbido diante do Holocausto, não se pode esquecer que o compromisso moderno com a autodeterminação e com a auto-realização pressupõe a capacidade dos indivíduos de se apropriarem criticamente de sua história.

 

Aprender com a história não significa, para Habermas, apenas revisar os conteúdos da tradição cultural, mas fundamentalmente enfrentar a derrota das esperanças do passado. É preciso refletir sobre as tradições que fracassaram, sobre os desenganos e sobre a capacidade de indicar que “caminho não podemos seguir”.[6] O passado deixa de ser fonte de legitimação de práticas sociais e se transforma em um legado a partir do qual é possível extrair lições. A organização dos guetos, os trens dos deportados, os experimentos médicos, as câmaras de gás, como práticas ocultas sob uma aparente normalidade, aniquilam qualquer confiança nas tradições, especialmente porque “tradição significa que prosseguimos de forma não problemática algo que outros começaram antes de nós (...) e normalmente supomos que estes predecessores não poderiam nos enganar inteiramente, não poderiam representar o papel de um deus malignus”.[7]

 

A experiência do nacional socialismo alemão, portanto, acaba com a possibilidade de se recorrer à tradição como uma história particular repleta de êxitos e conquisas. A idéia de uma “comunidade de destino” fica estigmatizada, pois “já não é possível uma vida consciente sem desconfiar de toda continuidade que se afirme de maneira inquestionável e que também pretenda extrair sua própria validade desse caráter inquestionável.”[8] É precisamente porque é necessário filtrar as tradições por alguma espécie de “consciência do pecado”[9] que já não é possível pensar o consenso como uma rede de solidariedade que se sustenta em algum tipo de vinculação étnica. Se não se pode confiar antropologicamente nas próprias tradições e se a nova referência é a de uma sociedade pós-nacional, o consenso não mais se sustenta em valores compartilhados e precisa recorrer ao exercício radicalmente democrático da cidadania que tem a Constituição como sua única base comum. O patriotismo nacional é assim substituído por um patriotismo constitucional.

 

No passado, o nacionalismo estava na origem da cidadania democrática – de vez que a autoconsciência nacional foi capaz de transformar, pela via da participação política, súditos particulares em cidadãos plenamente autônomos. Nas sociedades pós-nacionais, a ausência de uma homogeneidade cultural inviabiliza a antiga conexão entre nacionalismo e republicanismo. Agora, a herança republicana apenas pode ser mantida caso a cidadania democrática se transforme em uma força de integração social. Em outras palavras, como já não é possível, face um mundo desencantado, recorrer à experiência de uma história e de uma identidade compartilhadas, o patriotismo constitucional vem substituir o nacionalismo.

O patriotismo constitucional, tal como formulado por Habermas, difere da idéia de que o patriotismo é uma identificação comum com uma comunidade histórica fundada em certos valores. Como Habermas não espera que as democracias contemporâneas possam se organizar em torno de valores centrais, o patriotismo constitucional deve se ancorar em uma concepção de cidadania democrática que seja capaz de “gerar solidariedade entre estranhos”.[10] 

 

A nação de cultura é, nesta perspectiva, substituída por uma nação de cidadãos e a identidade coletiva se configura agora através da força integradora da cidadania democrática. Entretanto, se há, segundo Habermas, uma conexão entre a identidade cultural do nacionalismo e a participação cidadã, como é possível, uma vez esgarçados os laços culturais, assegurar as liberdades republicanas e a cidadania democrática? De acordo com Habermas, existe apenas uma relação histórica,[11] contingente entre nacionalismo e republicanismo e não uma relação conceitual. É precisamente por isso que é possível, no âmbito de sociedades pluralistas, cortar os laços entre identidade nacional e liberdades republicanas, garantindo, ao mesmo tempo, a participação cidadã. Com o fim da consciência nacional convencional, o Estado-Nação é substituído por um Estado Democrático de Direito que conforma uma nação de cidadãos “que encontra a sua identidade não em comunidades étnicas e culturais, mas na prática de cidadãos que ativamente exercitam seus direitos de participação e comunicação”.[12]

 

É precisamente porque a cidadania política perdeu o sentido de pertencimento a uma comunidade cultural, que a herança republicana apenas pode ser salva se os cidadãos, a partir de seus contextos nacionais, identificarem o Estado Democrático de Direito como o resultado de sua própria atuação histórica. Se a nação já não é uma herança cultural adquirida, ela pode se transformar em uma associação de cidadãos livre e iguais que, por sua vontade e consciência, conformam um Estado constitucional.

Com a concepção de patriotismo constitucional, Habermas procura não apenas configurar a solidariedade como forma de integração social, mas revelar como compromissos morais com normas universalmente válidas – os direitos humanos – podem se vincular com os compromissos éticos de culturas políticas particulares. Neste sentido, o patriotismo constitucional aponta para uma nova relação de tensão “entre o universalismo de uma comunidade jurídica igualitária ... e o particularismo de uma comunidade histórica de destino compartilhado”.[13] De fato, se a comunidade jurídica igualitária é o produto da vontade de cidadãos livres e iguais, a comunidade histórica é fruto de uma herança que independe da formação da vontade política, de vez que a integração social ancora-se em formas de vida “naturalizadas”, pré-políticas. O patriotismo constitucional, em um mundo pós-nacional, pode, segundo Habermas, ajustar o universalismo de uma comunidade jurídica igualitária com o particularismo da comunidade  ética,  assegurando  uma  integração político-cultural, se as  liberdades republicanas   historicamente  obtidas  e  se  o compromisso  com  uma  ordem  jurídico-política forem vistos como produtos da formação de uma genuína vontade política comum.[14]

 

Nesta perspectiva, o patriotismo constitucional em Habermas difere tanto de um patriotismo que aponta para as obrigações dos indivíduos em relação à comunidade na qual se inserem, como do patriotismo que supõe que a cidadania tem a capacidade de agir orientada por uma concepção compartilhada de bem. O patriotismo constitucional proposto por Habermas evidencia uma conexão interna entre autonomia privada e autonomia pública ao mesmo tempo em que prescinde de uma visão compartilhada de bem, porque vincula a cidadania democrática à consciência pública de sujeitos de direito que “se constituem por sua própria força como uma associação de livres e iguais”.[15]

 

O patriotismo constitucional é, com efeito, uma forma de identificação cívica para os cidadãos daquelas sociedades que não podem confiar antropologicamente em suas próprias tradições. Quando não se pode recorrer a uma identidade política sustentada por uma história marcada por êxitos, uma identidade cívica baseada em compromissos com princípios constitucionais democráticos e liberais pode garantir a integração e assegurar a solidariedade. Como lealdade a uma certa tradição, o patriotismo constitucional apela para os princípios universalistas do Estado Democrático de Direito que serão distintamente assumidos, discutidos e interpretados em cada contexto histórico particular. Com essa argumentação, Habermas sustenta que o patriotismo constitucional não pode prescindir de uma determinada identidade política que, no entanto, “consiste apenas no modo da disputa pública, discursiva em torno da interpretação de um patriotismo da Constituição concretizado em cada caso conforme as condições históricas em que vivemos e que constituem nossa herança”.[16]

 

Ao desvincular o patriotismo constitucional de concepções éticas compartilhadas e associá-lo a um compromisso com os princípios democráticos e liberais do constitucionalismo contemporâneo, Habermas atrai para si dois diferentes tipos de críticas. De um lado, estão aqueles que consideram o patriotismo constitucional por demais frágil e inconsistente (“thin”), em razão de sua insuficiência particularista – afinal não está claro porque devemos ser leais a uma sociedade particular e não a outra que igualmente legitima princípios constitucionais democráticos e liberais; de sua insuficiência constitutiva, pois não pode haver sentimento de pertencimento sem algum tipo de compromisso ético; e, finalmente, por ser insuficientemente naturalizado, de vez que a identidade cívica, ainda que produto da ação humana, é vivida como destino, como herança. De outro lado, estão aqueles para quem o patriotismo constitucional, ao contrário, é por demais denso (“thick”) e se traduz, na verdade, em mais uma dentre as múltiplas concepções de bem existentes, pois mesmo identidades cívicas construídas com base em princípios vinculam-se, ainda que de forma implícita, com compromissos e solidariedades culturalmente particulares.[17] O patriotismo constitucional, nesse sentido, representaria uma forma de identidade política vinculada a uma tradição de cidadania nacional e não seria possível diferenciá-lo do constitucionalismo liberal.[18] Mais do que princípios universais, o patriotismo constitucional endossaria instituições historicamente existentes.

Habermas enfrenta ambas as críticas – as que denunciam a pouca densidade do patriotismo constitucional e aquelas que o descrevem como mais um compromisso particularista – assinalando que seus opositores confundem o que tem sido (fato histórico), com aquilo que deve ser (necessidade psicológica).[19] É necessário enfatizar que o patriotismo constitucional, em Habermas, está intimamente vinculado não apenas à prática da discussão e do entendimento, mas também refere-se a um espaço político em que a solidariedade – a integração social – é determinante. Essa solidariedade, por sua vez, baseia-se muito mais nas relações entre sujeitos dispostos a ser solidários (necessidade psicológica) do que na existência desses mesmos sujeitos (fato histórico). É no âmbito da vida pública que se deve buscar essa solidariedade e não nas práticas individuais. De outra forma, “as estruturas do poder são as que precisam evoluir para uma solidariedade institucional e formalizada que os sujeitos podem menosprezar sem que, em última instância, seu menosprezo repercuta na racionalidade do sistema que obteve tal maturidade. O que ... não significa que os sujeitos não possam ter respondido e defendido um comportamento solidário muito antes que a necessidade de acordos se transformasse em uma democracia”.[20]

 

É necessário enfatizar que o patriotismo constitucional, como compromisso com princípios morais universais, é absolutamente dependente do vínculo habermasiano com a psicanálise, especialmente com o paradigma freudiano. Afinal, da idéia de que somos capazes de enfrentar e destruir as construções de sentido que impedem que nos apropriemos de nossa história deriva a idéia de autonomia como capacidade de auto-reflexão e de definição daquilo que queremos ser. Da mesma forma que os indivíduos, os sujeitos coletivos não são considerados por Habermas a partir da sua característica mais evidente, ou seja, o sentimento de pertencimento a uma tradição particular. Por mais que reconheça o peso da memória histórica, Habermas acredita que os sujeitos coletivos não são apenas capazes de aprender na dimensão do saber técnico, mas também na esfera da consciência moral prática. Seriam imaturas, portanto, as identidades coletivas que, de forma acrítica, se identificam com algum tipo de tradição sacralizada. A intersubjetividade tem, em Habermas, um sentido evolutivo e se podemos encontrar, no âmbito do mundo da vida, identificações de caráter irracional, isto apenas representa uma fase anterior ao mundo pós-convencional. Por mais que certos momentos históricos sejam marcados por vontades coletivas fundadas na tradição e pela ausência de normas racionalmente justificadas, Habermas não abre mão de definir o ser coletivo como aquele que tende a se manifestar, ao menos potencialmente, como ser universal. Esse rompimento com o particular, com uma identidade coletiva construída de maneira provinciana, é assegurado pela idéia de interação intersubjetiva, pois a linguagem ultrapassa os limites dos diversos mundos da vida e dos múltiplos tempos históricos.

 

Habermas recorre ao esquema conceitual de Lawrence Kohlberg sobre a evolução moral dos sujeitos exatamente com o objetivo de discutir como é possível eliminar os imperativos religiosos, tradicionais ou nacionalistas que formam as identidades e conformam a vida prática. Em “mundos desencantados, indivíduos desenvolvem aquilo que Habermas, seguindo Kohlberg, descreve como identidade pós-convencional. Eles aprendem a adotar tanto quanto possível um ponto de vista imparcial e são capazes de abrir mão de seus próprios desejos e das expectativas sociais com as quais a sociedade e suas instituições os confrontam”.[21]  Em outras palavras, os indivíduos são capazes de atingir uma etapa da evolução moral em que o compromisso com princípios universais de justiça supera os vínculos legais, os acordos particulares e os argumentos afetivos. É o momento em que os indivíduos adquirem a capacidade de criticamente refletir sobre suas tradições históricas e suas identidades culturais. [22]

 

Tal como os indivíduos que podem atingir um estágio de desenvolvimento moral elevado, a sociedade como um todo, segundo Habermas, igualmente percorre uma trajetória evolutiva em direção à maturidade, que se traduz na capacidade de desenhar estruturas capazes de solucionar imparcialmente os conflitos. Tal maturidade vai se revelar especialmente quando os membros de uma sociedade radicalmente plural e democrática forem capazes de se unir através dos “princípios e procedimentos abstratos de uma ordem republicana “artificial”, isto é, constituída através do direito”.[23] É preciso enfatizar, no entanto, a dimensão contrafática ou meramente projetiva de tal modelo teórico, pois Habermas certamente não conhece nem indivíduos capazes de argumentar racionalmente a partir da suspensão dos conteúdos concretos de sua cultura, nem sociedades que tenham atingido um nível ótimo de desenvolvimento moral. O que Habermas faz, com base na psicanálise, é reservar um espaço em seu modelo teórico para aquilo que designa como “aprendizagem construtiva”, ou seja, a capacidade que temos de aprender com os êxitos e com os fracassos da história. Isso não significa que Habermas acredite que o entendimento é o destino histórico da humanidade, em sua progressiva trajetória de racionalização. Ao invés – e especialmente depois de Auschwitz – não há como idealizar a humanidade, nem contar com uma ética universalista que ignora a dificuldade de reconhecermos aquilo que nos é estranho. Mais do que isso, não é possível considerar as violências, as agressões e os ódios como ações ou sentimentos que nada nos dizem sobre a condição humana, pois ainda que possamos tomar as múltiplas formas de injustiça como perda de sentido do humano, não há como empiricamente descrever como inumano aquilo que é criação dos homens.[24]

 

Habermas não ignora, portanto, nem a instabilidade da rota moderna em direção ao progresso, nem menos ainda o fato de que tal progresso não tem qualquer garantia de efetivação. No entanto, se na psicanálise a dor pode se transformar em impulso para o processo de auto-reflexão individual, a teoria social habermasiana ainda aposta que, diante da reflexão impulsionada pela frustração e da necessidade de recuperação das expectativas de liberdade e justiça, a “aprendizagem construtiva” nos permite refletir criticamente sobre nossas memórias e histórias. O compromisso com a crítica não pode desaparecer diante da constatação de que existem dimensões irracionais em nossos mundos; ao contrário, são as desilusões que dão ainda mais impulso ao inconformismo da teoria crítica.

 

O patriotismo constitucional é, sem dúvida, uma forma de recuperação dessas expectativas de liberdade e justiça, especialmente depois da desilusão nos obrigar a refletir sobre um passado que não pode ser visto como uma sucessão de êxitos e conquistas. Sustentado por princípios que dependem de uma fundamentação pós-convencional, isto é, de uma fundamentação que se orienta por princípios éticos universalmente válidos como princípios de justiça, igualdade dos direitos humanos e respeito aos seres humanos como indivíduos, o patriotismo constitucional revela como os direitos humanos não podem ser considerados apenas uma expressão valorativa de um sistema cultural específico. Ainda que tenham surgido, como idéia normativa, em um mundo particular de cultura – a Europa – isto não significa que os direitos humanos não possam ser vistos como o resultado de um processo reflexivo a partir do qual os indivíduos podem tomar uma certa distância em relação às suas próprias tradições e aprender a “entender o próximo a partir de sua própria perspectiva”.[25] Portanto, quando as Constituições configuram um conjunto de direitos fundamentais, elas contextualizam princípios universalistas e, assim, transformam-se na única base comum a todos os cidadãos. Em mundos pós-convencionais, onde os indivíduos não integram sólidas comunidades étnicas ou culturais, são as Constituições que, incorporando um sistema de direitos, podem conformar uma nação de cidadãos. Eis o patriotismo constitucional como modalidade pós-convencional de conformação de uma identidade coletiva.[26]

 

Para Habermas, a vantagem de recorrer ao patriotismo constitucional é que sua dimensão universal permite que ele possa ser justaposto aos diversos patriotismos das múltiplas comunidades históricas,[27] ao mesmo tempo em que favorece interpretações interculturais dos direitos humanos.[28] Se no âmbito interno das sociedades marcadas pelo pluralismo existem fortes desacordos sobre questões constitucionais consideradas essenciais e se, no plano internacional, o pluralismo é a característica básica das esferas supranacionais, o patriotismo constitucional, especialmente porque desvinculado de crenças éticas compartilhadas, pode representar uma base consistente para tais confrontos interpretativos.

 

 

 
[1] ADORNO, 1993, p. 208.

[2] FOUZ, 2004, cap. 2.

[3] ADORNO, 1987, p. 365.

[4] HABERMAS, 1991, p. 55.

[5] HABERMAS, 2000, p. 66.                                                                     

[6] HABERMAS, 1997, p. 47.

[7] HABERMAS, 1991, p. 214.

[8] Idem, p. 214

[9] Idem, p. 222.

[10] HABERMAS, 1995, p. 97.

[11] Na Europa, os Estados-Nação tiveram origem em processos históricos distintos, pois ou desenvolveram-se no interior de Estados territoriais existentes (França e Inglaterra) ou a formação do Estado foi proveniente de cultura e história comuns (Itália e Alemanha). Habermas afirma que a “autoconsciência nacional do povo proporcionou o contexto cultural que facilitou a ativação política dos cidadãos”. Quanto aos Estados Unidos, que não dispunham de uma cultura homogênea, a atuação republicana, segundo Habermas, se baseou em uma religião cívica compartilhada. Ver, a respeito, HABERMAS, 1995.

[12] HABERMAS, 1996, p. 495.

[13] HABERMAS, 1997, p. 179.

[14] É preciso ainda considerar o patriotismo constitucional como uma forma de crítica. Afinal, em nome de princípios universais os cidadãos podem criticar sua própria história constitucional. O patriotismo constitucional pode representar, de fato, uma crítica das heranças que precisam ser filtradas através de algum tipo de consciência do pecado. Ver, a respeito, MÜLLER, 2007.

[15] HABERMAS, 1997, p. 179.

[16] HABERMAS, 1991, p. 312.

[17] Ver, a respeito, HAYWARD, 2007.

[18] Para Michel Rosenfeld, o patriotismo constitucional proposto por Habermas, inseparável de uma concepção de Estado de Direito cosmopolita e pós-nacional, viola a ética da diferença na medida em que é incompatível com doutrinas baseadas na religião ou com ideologias fundadas na desigualdade. Ver, a respeito, ROSENFELD, 2007.

[19] Ver, a respeito, HAYWARD, 2007, p. 183.

[20] FOUZ, 2004, p. 147.

[21] MÜLLER, 2007, p. 204.

[22] Ver, a respeito, HABERMAS, 1989.

[23] HABERMAS, 1997, p. 72.

[24] Ver, a respeito, FOUZ, 2004, cap. 2.

[25] HABERMAS, 1996, p. 108.

[26] Sobre o caráter performativo das práticas constitucionais, especialmente no âmbito de uma ordem mundial cosmopolita, ver HABERMAS, 2007.

[27] Ver, a respeito, HABERMAS, 2003.

[28] Sobre diálogos interculturais e tolerância em Habermas, ver HABERMAS, 2005.


 

 

Referências bibliográficas

 

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ROSENFELD, Michel. Habermas's Call for Cosmopolitan Constitutional Patriotism in an Age of Global Terror: a Pluralist Appraisal. Oxford: Constellations, vol. 14, nº 2, 2007.   


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