A prática de Sharenting e oversharenting nas redes sociais.
O uso das redes sociais para o registro de fatos da vida é hábito para muitos. Quase tudo é registrado e postado: as reuniões com amigos e familiares, o que se come no almoço de domingo, compras feitas em lojas, momentos bons e até mesmo, os ruins. Algumas pessoas fizeram dessas divulgações uma fonte de renda com o aumento de seguidores, chegando a receber patrocínios e presentes para dizerem que compram na loja A ou B, almoçam no restaurante C ou D, ou malham na academia X ou Y. Com isso, os hábitos de determinada pessoa tornam-se inspirações e modelos para outros.
A divulgação dos fatos chegam também à intimidade com o anúncio, por exemplo, de uma gravidez, e todos os momentos são postados: o resultado do teste positivo, o contar para o pai, a escolha das novas roupas, o aumento do tamanho da barriga, o chá revelação, a escolha do quarto, a loja que fará a decoração, a compra do enxoval da criança, até chegar ao momento do parto, as primeiras horas do filho, o primeiro banho, a saída do hospital, a chegada em casa, e a rotina continua a ser registrada e postada. Mais a diante, vêm os primeiros passos, a primeira papinha, a primeira ida à escola, enfim, todos os detalhes são mostrados, recebendo milhares de curtidas e compartilhamentos.
Por volta de 2010, a Disney passava uma série: “Boa sorte Charlie”, onde a Teddy, a irmã mais velha, fazia questão de registrar em vídeo a infância da Charlie, a irmã mais nova da família Duncan. E, de lá para cá, os registros tiveram muitas mudanças, o tradicional álbum de família ganhou visibilidade através das redes sociais. Aquele vídeo do nascimento dos filhos, da formatura, da viagem dos sonhos que antes era exibido apenas nos encontros de família, agora são disponibilizados para que “amigos” e “seguidores” acessem pela internet.
No entanto, com as inúmeras redes sociais, surgiu um fenômeno intitulado Sharenting (ou oversharenting) uma expressão inglesa, junção das palavras “share” (do verbo “compartilhar”) + “parenting” (pai e/ou mãe) que diz respeito ao compartilhamento excessivo de informações, fotos e vídeos que são postados nas redes sociais sobre os filhos. Muitos vídeos são hipnotizantes pela espontaneidade das crianças e dá vontade de assistir por horas, mas, nas redes sociais, nem tudo são flores, mesmo que a intenção dos pais seja apenas registrar aquele momento fofo que passa tão rápido.
Além da questão “segurança” das crianças e adolescentes que têm a rotina divulgada na internet, há também que se considerar que as crianças crescem, viram adolescentes e os adolescentes viram adultos e muitas dessas imagens podem rotulá-los fazendo com que sofram preconceitos, bullying ou algum tipo de ridicularizarão por conta de um perfil criado na internet expondo situações que, para um adolescente ou adulto, são constrangedoras. Em 1991, um bebê nu foi capa de um disco da banda Nirvana2, essa criança, ao tornar-se adulta, processou a banda, apesar de ter pedido o processo, pode constatar-se que esse fato marcou negativamente a vida dessa pessoa que teve sua imagem exposta diante do mundo, pois até quem não é fã da banda, conhece essa capa. Nessa época, ainda não se falava em redes sociais, mas a exposição da imagem de uma criança foi capaz de afetá-la, até a vida adulta.
Por um adverso, algumas crianças e adolescentes viram “memes”, “figurinhas” e têm sua imagem compartilhada sem controle, depois que caiu nas redes sociais, não dá para saber quem teve acesso, quem compartilhou e até onde chegaram essas imagens. Algumas pessoas que viraram “meme” não conseguem lidar com isso e acabam tendo problemas emocionais, a exemplo da jovem mineira Lara3 que ganhou visibilidade nas redes após dizer a frase “já acabou Jéssica?” em uma briga de escola; a menina interrompeu os estudos e precisou de tratamento e acompanhamento psicológico. Ninguém escolhe virar “meme”, mas uma simples fala, uma expressão fácil, um gesto e pronto, viralizou na internet.
Os pais têm o dever moral e legal de zelar por seus filhos e ainda, mantê-los em segurança. A criança não tem qualquer tipo de discernimento sobre a exposição ou superexposição de sua imagem nas redes sociais, as que são um pouco maiores veem nisso uma brincadeira e são apoiados pela família, mas não se sabe quais as consequências disso na formação psicológica e social a médio e longo prazos. No entanto, cabe aos pais expor a imagem de seus filhos e até mesmo auferir vantagem financeira em razão disso? Claro que a boa-fé dos pais é presumida, mas, como detentores do poder familiar, devem ser os primeiros a zelar pela honra, imagem e boa fama de seus filhos. Algumas mães e pais trabalham como Youtubers e, em suas gravações, demonstrando proximidade com os seguidores, aproveitam para mostrar os filhos dormindo ou brincando, a casa onde moram, o carro novo que compraram. Apesar da boa intenção, ocorre a consequente violação ao direito à vida privada e à imagem na exposição dos filhos menores de idade.
Entre o direito dos pais, de mostrarem nas redes sociais fotos e vídeos de seus filhos, e o direito dos filhos menores à segurança, à imagem, à honra e à privacidade, sempre deve prevalecer o melhor interesse da criança e do adolescente através da proteção integral, como determina a lei². Os filhos, ao atingirem uma certa idade, podem querer retirar as imagens e vídeos da internet, mas é impossível controlar quem viu, compartilhou e as proporções do uso das imagens e vídeos. Diante disso, apesar das boas intenções, não se pode excluir integralmente a responsabilização civil dos pais na prática do sharenting e oversharenting da imagem de seus filhos.
REFERÊNCIAS:
¹https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58351743
²https://www.bbc.com/portuguese/geral-58328805
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm