Os dois reinos
Os dois reinos
Era uma vez dois reinos. Cada um possuía um castelo gigantesco envolto por casas e estabelecimentos de trocas dos diversos materiais criados pelos habitantes. Ficavam bem distantes um do outro. Cercados por um muro equivalente à altura de mais de dez pessoas. Conforme os muros foram construídos primeiro, ninguém via o lado de fora, não sabiam da existência do outro. Passadas várias gerações, um jovem instrutor despertou a curiosidade de ver como seria o outro lado do muro. Uma regra proibia tal feito. O ímpeto juvenil fora maior e, confeccionando uma corda feita de panos, lançou-a por cima do muro, escalando-o e logo foi surpreendido com a imagem, ainda que embaçada, de uma construção ao longe. Notou também um rio cuja largura era indescritível por ser muito extensa. Rapidamente arriscou contar aos superiores que, intrigados, dirigiram-se aos reis e rainhas.
Chamaram as pessoas entendidas em construção, decidiram fazer uma escada até a altura do muro para verificarem as informações dos instrutores. Ficaram admirados, pois os costumes sempre afirmaram que seu reino era único. Após muita conversa, manifestaram o desejo de ir até lá. Em seu reino, a maioria das coisas era feita de pedra: muro, paredes, utensílios, casas; alguns artefatos eram de metal, colhidos em uma pequena mina, derretidos e cunhados no calor do carvão mineral. Se alimentavam da criação de cabras que também lhe ofereciam o leite. Os construtores mostraram uns desenhos de uma passagem de pedras a se fazer sobre o rio para deixar a água seguir seu curso. Os moradores concordaram, abriram um caminho pelo muro e iniciaram a construção da travessia.
O barulho daquele movimento chegou aos ouvidos das pessoas do outro reino. Era muito estranho. Uma criança alcançou uma árvore próxima ao muro, subiu… subiu, olhou e gritou: tem gente do outro lado e estão construindo. Chamaram os carpinteiros, montaram uma escada até o topo do muro, viram aquelas imagens ao longe, reuniram e discutiram qual seria o procedimento diante das circunstâncias. Não conheciam o material usado na obra que viram. O terreno de seu reino apresentava o solo mais arenoso e úmido, assim o usavam para o plantio das árvores e de seu alimento baseado em vegetais e hortaliças, destinadas também às aves que lhes traziam ovos. Os responsáveis pelas obras riscaram nos papéis o projeto de uma travessia para investigar a outra construção.
Reuniram as pessoas, as madeiras e as ferramentas, abriram um buraco no muro, dirigiram-se ao rio e iniciaram a construção da travessia de madeira de tal forma que o rio pudesse seguir seu fluxo. Muito tempo se passou e a cada dia uma obra ia aproximando-se da outra. As pessoas dos reinos atravessavam as aberturas dos muros e caminhavam pelos arredores, olhando perplexas todo aquele espaço. Em suas concepções e formações, apenas reconheciam o céu, seus astros e suas condições, visíveis no interior do reino. Iam até as travessias em construção, voltavam e guardavam na memória as novas experiências.
A passagem sobre as águas do rio estava mais perto de se encontrar. O reino de pedra não conhecia a madeira e o reino de madeira não sabia da pedra. A curiosidade permitiu a aproximação das travessias. Ainda não se entendiam, a linguagem era diferente. Mas quanto mais as construções chegavam perto uma da outra, acolhiam as imagens, a forma das vestimentas e decodificavam alguns sinais e sons uns dos outros. A dedicação foi tanta a ponto de ser possível combinar a estruturação do encontro das travessias de pedra com a de madeira. Os dois reinos não foram treinados para a guerra. Acreditavam que só existiam eles mesmos cercados pelos respectivos muros, assim, jamais necessitaram de uma batalha, não tinham esse conceito. Por isso, as travessias foram planejadas sem receios.
Chegou o dia da união do resultado de todo trabalho dos reinos, as linguagens, um tanto mescladas e ainda confusas, permitiam alguma interação. Os nomes das ferramentas e de materiais característicos de cada reino já faziam parte do idioma de um e do outro. Marcaram o encontro no momento em que o sol estivesse bem no meio do céu. Os reis e as rainhas foram chamados, as lideranças do reino da madeira também se apresentaram. As pessoas estavam admiradas com a resistência daquele caminho edificado sobre o rio durante anos e com materiais tão diferentes. Tudo para viver o encontro dos dois reinos. Nesse momento, combinaram o estudo dos projetos, o conhecimento dos materiais, das produções e da troca de matérias-primas. A adaptação da linguagem permitiu a inclusão de várias descobertas sobre o modo de ser de cada reino. A maior crença deles foi abaixo quando perderam a certeza de que havia somente um reinado na terra. Gradualmente iam declinando parte do muro e aumentando o espaço deles. Alguns artesãos fizeram mercados fora do cercado juntando madeira e pedra.
E assim termina a história dos dois reinos, deixando uma reflexão sobre a importância de abrirmos nossos corações e construirmos pontes que levem ao encontro e acolhida de outras realidades que proporcionam uma vida nova. Dizem, às vezes, que o coração é de pedra ou de madeira e não absorve a possibilidade de construir pontes do encontro, do respeito às condições dos outros. Nossas crenças podem estar nos cercando e nos cegando, deixando de ver a realidade de uma forma diferente. Pensamos que o sol é destinado apenas à nossa redoma de reclamações, julgamentos, preconceitos, desprezos, culpa, orgulho. Entretanto, quando rompemos as barreiras inexistentes que insistimos em materializar, percebemos o sol iluminando a vida das outras pessoas e notamos uma realidade melhor.